Origem da plavra Caipira

Baseado na Grande Reportagem “Os Rumos da Música Caipira no Vale do Paraíba”, de Anderson Borba Ciola e Fábio Cecílio Alba, a origem da palavra caipira ainda é motivo de controvérsias. Segundo o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luiz Câmara Cascudo, a palavra significa “homem ou mulher que não mora em povoação, que não tem instrução ou trato social, que não sabe vestir-se ou apresentar-se em público. Habitante do interior, tímido e desajeitado...”. Robert W. Shirley, em seu livro “O fim de uma tradição”, critica a posição de Câmara Cascudo, dizendo que: “Esta definição em si mesma, revela a extensão da grande lacuna social entre os escritores urbanos e os camponeses, pois, de fato, o caipira tem uma cultura distintiva e elaborada, rica em seus próprios valores, organizações e tradições”. Já no Dicionário Aurélio é encontrada a seguinte definição: “Habitante do campo ou da roça, particularmente os de pouca instrução e de convívio e modos rústicos”. Cornélio Pires, jornalista e violeiro, em seu livro “Conversas ao pé do fogo” define a palavra caipira da seguinte forma: “Por mais que rebusque o étimo de caipira, nada tenho deduzido com firmeza. Caipira seria o aldeão; neste caso encontramos o tupi-guarani capiâbiguâara. Caipirismo é acanhamento, gesto de ocultar o rosto, neste caso temos a raiz ‘caí’, que quer dizer gesto de macaco ocultando o rosto. Capipiara, que quer dizer o que é do mato. Capiã, de dentro do mato, faz lembrar o capiau mineiro. Caapiára quer dizer lavrador e o caipira é sempre lavrador. Creio ser este último o mais aceitável, pois caipira quer dizer roceiro, isto é, lavrador...”.

21.2.11

Amadeu Amaral

tradicional dos paulistas de
"boa família", que não é senão o mesmo dialeto um pouco mais polido.
Na carta de Pero Vaz Caminha abundam formas vocabulares e modismos envelhecidos na
língua, mas ainda bem vivos no falar caipira: inorância, parecer (por aparecer) mêa (adj. meia),
u"a, trosquia, imos (vamos), despois, reinar (brincar), preposito, vasios (região da ilharga), luitar,
desposto, alevantar, "volvemo nos lá bem noute", "veemo nos nas naus', "lançou o na praya".
4. Os elementos arcaicos da língua, conservados no vocabulário dialetal, dividem-se,
naturalmente, em arcaísmos de forma, de significação, e de forma e significação (11) Exemplos:
ARCAÍSMOS DE FORMA
acupá(r) inorá(r)
agardecê(r) livér
argua (u nasal). ........... lua (u nasal)
avaluá(r) malino
Bertolomeu manteúdo
correição ...................... ninhua (u nasal)
cresçudo premêro
dereito repuná(r)
eigreja reposta
ermão saluço
escuitá(r) somana
estâmego sajeitá(r)
fermoso sojigá(r)
fruita sovertê(r)
ímburuiá(r) súpito
intrúido teúdo
inxúito trusquia
ARCAÍSMOS DE SENTIDO
aério .............................. perplexo
dona .............................. senhora
função ........................... baile, folguedo
praça .............................povoado
reiná(r) ......................... fazer travessuras
salvar ........................... saudar
ARCAÍSMOS DE FORMA E SENTIDO
arreminado ................................. indócil
contia ......................................... quantidade qualquer
cuca (arc. côco, côca) escotêro .. ente fantástico
escotêro ...................................... o que viaja sem bagagem
imitante (como particípio)
modinha ..................................... cançoneta
punir ........................................... defender, "pugnar"
sino-samão ................................. signo de Salomão.
5. Abundam igualmente as locuções arcaicas ou, pelo menos, de sabor arcaico bem
pronunciado:
a modo que
a pôs, a pôs de ........................... a pós de
antes tempo (sem prep.) ............ antes da hora, antecipadamente
a par de ..................................... junto, ao lado
de verdade ................................ de véras
de primeiro ............................... outrora
em antes de .............................. antes de
no mais .................................... não mais
neste meio ............................... entrementes
6. É natural que, diante de certas formas apontadas como arcaicas (ermão, somana), haja
dúvida se de fato se trata de arcaísmo, se de mera coincidência. Num ou noutro caso, esta
última hipótese será talvez a mais aceitável: por exemplo, se o nosso povo pronuncia craro, frôr,
não se deve ter pressa em ligar essas formas, historicamente, às idênticas que se encontram
em velhos documentos da língua; pois que tais formas, antes de mais nada, obedecem a uma
lei da fonética local, a permutação de l subjuntivo por r. Mas, ermão, somana, etc., só se podem
explicar como formas recebidas dos colonizadores, pois, além de se encontrarem em escritos
antigos, se confirmam por outros fatos análogos da língua, ao passo que mal se acomodam às
regras que atuam na alteração dialetal dos vocábulos.
ELEMENTOS INDÍGENAS
7. Das línguas dos autóctones, ou, melhor, do tupi, recebeu o dialeto grande quantidade de
termos.
A nossa população primitiva, durante muito tempo, antes da introdução do negro, era, pela
maior parte, composta de indígenas e de mestiços de indígenas. Da extensão que teve a língua
dos aborígenes no falar dos primitivos dois ou três séculos da nossa existência, dão testemunho
flagrante, além de muitos vocábulos que entraram nos usos sintáticos correntes, os não menos
numerosos topônimos, que se encontram nas vizinhanças dos centros de população mais
antigos.
8. Quanto a isto sobressai a capital com seus arredores, onde abundam os nomes tupis, os
quais vão escasseando pelo interior, nas zonas mais novas, onde, ainda assim, os que se nos
deparam são em boa parte artificialmente compostos. Só no município de São Paulo e nos que
com ele confinam se contam por dezenas os rios, riachos, montes, bairros, fazendas e
povoados com denominações tupis tradicionais (12):
Açu Caguassu Choruróca Guaracau
Ajuá Cabussu Cocaia Guarapiranga
Aricanduva Caçacuéra Cupecê Guarará
Anhangabaú Caçandoca Ebirapuéra Guaratim
Baquiruvu-guassu Caçapava Gopaúva Guaraú
Bopi Cangùera Guacuri Guavirutuba
Botucuara Canindé Guaiaúna Imbiras
Buçucaba Caraguatá Guaió Itaberaba
Butantan Carapicuiba Guapira Itacuaquecetuba
Itacuéra Jaguaré Nhanguassú Tacuaxiara
Itaguassu Jaraguá Pacaembú Tamanduitei
Itaim Jaraú Pari Tamburé
Itaparicuéra Juquiri Piquiri Tatuapé
Itaperoá Jurubatuba Pirajussara Tremembé
Itapicirica Mandaqui Pirituba Tucuruvi
Itararé Mandi Pirucaia Uberaba
Ipiranga Mhoi Prati Utinga
Jaceguava ou Mooca Poá Votussununga
Jaceguai Murumbi Quitaúna Voturantim
Jacuné Mutinga Saracura
9. Os nomes de animais contam-se por centenas. Uma parte dos mais conhecidos:
acará guará maracanã sucuri
anu guariba mucuím suindara
araponga guaripu mumbuca surubi
arapuá guaru-guaru mussurana sussuarana
arara gùirá mutuca tabarana
bacurau içá mutum tamanduá
baitaca inhambu nhaçanã tambijuá
biguá irara paca tambiú
biriba itobi pacu tanajura
borá jacaré pairiru tangará
caçununga jacu piaba taperá
cambucu jaburu piapara tarira
caninana jacutinga penambi taçuíra
capivara jaguatirica piracambucu tatêto
cará-cará jaó piracanjuba tatorana
chabó japu piraju tatu
coró japuíra pirambóia tietê
cuati jararaca piranha tiriva
cuiú-cuiú jateí sabiá tovaca
cumbé jaú sabiá-cica tuím
cupim jiquitiranabóia sabiá-poca tuiuva
curiango jundiá sabiá-una tuvuna
curimbatá jurutí sanhaço uru
curió lambari sanharão urubu
curruíra mamangava saracura urutau
curuquerê mandaçáia sará-sará urutu
cutía mandaguarí saúva xororó
gambá mandi siriêma xupim
gaturamo mandorová siri
giboia manduri socó
10. Não são menos abundantes os nomes indígenas de vegetais, de que daremos algumas
dezenas, à guisa de exemplificação:
abacate capixingui ipê piri
abacaxi capitava jaborandi pitanga
andaguassú caraguatá jabuticava piúva
araçá carnaúba jacarandá samambaia
aruêra caróba jacaré sagùi
araribá caruru jantá sapé
araticum catanduva jaracatiá sapuva
açatunga cipó jarivá sumaúma
bacaba crindiuva jataí taióva
baguassu grumixama jiquitaia taiúva
bracuí guabiroba jiquitibá tacuara
brejaúva guãibè jovéva tacuari
buriti guandu juá tacuaritinga
bucuva guapê jurema tacuarussu
butiá guapocarí macaúba timbó
cabiúna guareróva manacá timbori
cabriúva guanxuma mandióca tiririca
caiapiá guaraiúva mangava trapoeraba
cajuru guaratã maracajá tucum
cambuci guatambu maçaranduva urucu
cambuí imbaúva nhapindá urucurana
canjarana imbúia orindiúva uvá
canxim indaiá perova
capim ingá pipóca
11. Nomes de diferentes fenômenos, acidentes, produtos da natureza, doenças, etc,:
beréva cupim piracema tabatinga
bossoróca joçá pororóca taguá
cambuquira manipuêra quiréra tijuco
capão nambiuvu sambiquira tupururuca
capuêra pacuéra sapiróca
catapóra pichuá sororóca
catinga picumã suã
12. Nomes de utensílios, aparelhos, objetos de uso, alimentos, etc:
arapuca caxerenguengue jacuba muquéca
arataca chuã jiqui mipeva
arimbá jacá juquiá pamonha
pamonã pindacuêma samburá tacuru
pari pipóca sapicuá tipiti
paçoca piruá saracuã
patuá pito solímão
peléta pussaguá sururuca
1 3. Nomes referentes a usos, costumes, abusões, etc.:
bitatá canhembora caruru piracuara
buava capuava guaiú saci
caiçara cateretê mumbava tapéra
caipira catira perequê tiguéra
caipora coivara piá
14. Adjetivos e substantivos usados como tais:
aíva jururú pepuíra punga
chimbeva macaia pereréca sarambé
ité nambi piricica turuna
jaguané napéva piririca
javevó pangaré piúva
jissi pararaca pururuca
15. Todos os vocábulos acima citados são, com uma ou outra excepção apenas, de origem tupi.
Esta língua, como diz o sr. Teodoro Sampaio no seu precioso livrinho "O Tupi na Geografia
Nacional", vicejou próspera e forte em quase todo o país, sobretudo em S. Paulo e algumas
outras capitanias. Aqui, segundo aquele escritor, a gente do campo falava a língua geral até fins
do século XVIII. Todos a sabiam, ou para se exprimir, ou para entender. Era a língua das
bandeiras; era a de muitos dos próprios portugueses aqui domiciliados.
É o que explica essa absoluta predominância do tupi, entre as línguas brasílicas, na toponímia
local, na nomenclatura de animais e de plantas e em geral no vocabulário de procedência
indígena.
É possível, entretanto, como dissemos, que haja excepções. Mesmo sem outros elementos de
suspeita, pode-se duvidar que todos os vocábulos vulgarmente apresentados como tupis de fato
sejam dessa língua, ou mesmo de qualquer outra língua brasílica, considerando-se apenas as
dificuldades de ordem geral que embaraçam todo trabalho etimológico em idiomas não escritos,
cujas formas variam tanto no tempo e no espaço, e se acham tão sujeitas, em bocas estranhas,
a profundas corrupções voluntárias e involuntárias. (13)
16. Muitos dos vocábulos de procedência indígena flutuam numa grande variabilidade de
formas, principalmente certos nomes de animais e de plantas: açatonga, açatunga, guaçatonga,
guaxatonga; caraguatá, crauatá, cravatá; tarira, taraira, traíra; maitaca, baitaca; corimbatá,
curumbatá, curimatá. Na terminação vogal + b + vogal, geralmente usada pela gente culta, o
caipira prefere quase sempre v a b: jabuticava, mangava, beréva, tiriva, taióva, saúva.
A origem destas incertezas está em que a nossa fonética nem sempre possui sons exatamente
correspondentes aos indígenas. O u consoante (w) foi desde cedo interpretado de vários modos:
por uns como v, por outros como b, por outros ainda como gh: é o que explica as variações
caraguatá, carauatá, cravatá, - capivara, capibara, capiguara, - piaçava, pioçaba, piaçágua (cf.
Piaçagùéra), etc.
A pronúncia popular, nestes casos, é a melhor. O povo, direta e inconscientemente influenciado
pela fonética indígena, conserva ainda sinais dessa influência na própria incapacidade para bem
apanhar o som distinto de v em vocábulos portugueses: daí pronúncias, que às vezes se ouvem,
como guapô por vapor, etc. (14)
ELEMENTOS DE VÁRIA PROCEDÊNCIA
17. A receptividade do dialeto em relação a termos de origem estranha é muito limitada, porque
as necessidades de expressão, para o caipira, raramente vão além dos recursos ordinários.
O caipira genuíno vive hoje, com pouca diferença, como vivia há duzentos anos, com os
mesmos hábitos, os mesmos costumes, o mesmo fundo de idéias. Daí o conservar
teimosamente tantos arcaísmos - e também tantos termos especiais que, vivos embora no
português europeu, são às vezes completamente desconhecidos, aqui, da gente da cidade, tais
como chêda, tamoeiro, cambota, náfego, etc. Daí, também, o não precisar tanto de termos
novos, que, pela maior parte, ou designam coisas a que vive alheio, ou idéias abstratas que não
atinge.
18. Dos vocábulos estrangeiros modernamente introduzidos na língua e que são de uso corrente
no falar das pessoas mais ou menos cultas, ele só tem aceito alguns, poucos, relativos a objetos
de uso comum, produtos de artes domésticas, etc.: paletó (que desterrou por completo o
vernáculo casaco), croché, cachiné, revórve, etc.
19. Existem entretanto no dialeto muitos vocábulos (além dos brasílicos e parte dos africanos)
que não lhe vieram por intermédio da língua. Destas aquisições, umas pertencem ao dialeto
geral do Brasil, outras resultaram da própria atividade paulista. Exemplos:
Do guarani, do quichúa (15):
chacra guaiava iapa purungo
garõa guaiaca pampa
Do castelhano:
amarilho cola lunanco porvadêra
aragano empalizado parêia rengo
caraquento enfrenar pareiêro(16) retovado
cincha entreverar pitiço rinha
cochonilho lonca perrengue
Dos dialetos ibero-sul-americanos e do vocabulário sul-rio-grandense:
bagual guasca pala ponche
gaúcho matungo pangaré retaco
Quase todos esses termos nos vieram por intermédio do Rio Grande do Sul, com o qual
mantiveram outrora os paulistas intensas relações de comércio, sobretudo de comércio de
animais, sendo freqüentíssimas as viagens de tropeiros de uma para outra província. Dessas
relações guardam ainda os vocabulários e os costumes populares de lá e de cá numerosíssimos
elementos comuns, não só de origem estrangeira, como de elaboração própria.
20. A maior parte dos vocábulos africanos existentes no dialeto caipira não são aquisições
próprias. A colaboração do negro, por mais estranho que o pareça, limitou-se à fonética; o que
dele nos resta no vocabulário rústico são termos correntes no país inteiro e até em Portugal:
angu cacunda macóta quingengue
banguela carimbo malungo quisília
batuque caximbo mandinga samba
binga cuxilo missanga sanzala
cachaça lundu quilombo urucungo
21. Há um certo número de provincianismos brasileiros de origem africana, que, recebidos pela
maior parte do Norte, aqui se introduziram no falar das cidades e na linguagem literária, mas
não penetraram no dialeto: tais, por exemplo: cangerê, cacimba, candomblê, giló, munguzá,
quingombô.
FORMAÇÕES PRÓPRIAS
22. Com os elementos que vieram do português, do tupi e de outras línguas, formaram-se no
Brasil numerosos vocábulos, principalmente por derivação, - já no seio do povo paulista, que
através do seu movimento de expansão pelo território nacional os levou a longínquas regiões, já
em outras terras, de onde foram trazidos.
Encontra-se no falar caipira de S. Paulo, e na própria linguagem das pessoas educadas, toda
uma multidão de neologismos derivados, alguns muito expressivos e já indispensáveis àqueles
mesmos que procuram fugir à influência do regionalismo:
VERBOS (17)
abombar chifrar frautear moquear
aforar chatear fuchicar passarinhar
ami(lh)ar coivarar fuçar pealar
asperejar covejar gramar pererecar
assuntar cutucar intijucar pescocear
barrear desbarrancar inquisilar petecar
bestar descabeçar imbirotar pinicar
bobear descanhotar impaçocar piriricar
bolear descangicar impipocar pitar
buçalar descoivarar lerdear prosear
capengar desguaritar mamparrear pururucar
campear desmunhecar mantear sapecar
capinar facerar miquear tapear
catingar fachear moçar trotear(18)
cavortear festar molear
SUBSTANTIVOS
areão buraquêra caipirada corredêra
bobage burrage caipirismo dada
botina cabeção caiporismo derrame
barrigada carpa capina eguada
bestêra carpição capinzar gaùchismo
bodocada cavadêra capuerão gentama
boquera cabocrada chifrada gentarada
bugrêro caiçarada chifradêra jabuticavêra
lapiana mulequêra rodada tijucada
moçada ossama rodêro tijuquêra
moçarada perovêra sapezar varrição
micage piazada sitiante
mulecada poetage soberbia
mulecage porquêra taquarar
ADJETIVOS
abobado espeloteado filante praciano

abombado impacador franquêro saberete
atimboado impipocado mamóte supitoso
bernento inredêro micagêro
catinguento facêro passarínhêro
catingudo peitudo
23. São em menor número as palavras formadas por composição, e estas, na maior parte, pela
justaposição de elementos com a partícula subordinante de:
dôr-d'-óio (olhos) fruita-de-lobo
sangue-de-tatu áua-de-açucre (água de açúcar)
sangue-de-boi cordão-de-frade
rabo-de-tatu mer-de-pau (mel)
arma-de-gato (alma) pedra-de-fogo.
orêia-de-onça (orelha) baba-de-moça
pente-de-mico abobra-d'-áua
unha-de-gato côro-de-arrasto (couro)
língua-de-vaca pau-de-espinho
cachorro-do-mato barriga-de-áua
gato-do-mato tacuara-do-reino
pá-de-muleque pimenta-do-reino
ôio-de-cabra canário-do-reino
barba-de-bóde quejo-do-reino
Por justaposição direta e por aglutinação:
quatro-pau(s) tatu-canastra quebra-cangaia arranha-gato
cinco-nerva(s) méde-léua(léguas) mata-sete passa-treis
mandioca-braba vira-mundo tira-prosa quatróio(olhos)
abobra-minina chora-minino tira-acisma minhócussu
Por prefixação:
entreparar descoivarar desaguaxado descoivarado
e outros vocábulos já citados quando tratamos da derivação.
24. Muitas palavras há, entre as portuguesas, que têm sofrido aqui mudanças mais ou menos
profundas de sentido. Exemplos tomados entre os casos de mais pronunciada diferenciação:
ATORAR - partir à pressa, resolutamente; fugir.
CANA - cana de açúcar.
CAIERA - grande fogueira festiva.
CANDIERO - guia de carro de bois.
CAPADO, subst. - porco castrado.
DESMORALIZAR, v. trans. - fazer perder
o entusiasmo, o brio.
DESPOTISMO - enormidade.
INTIMAR - ostentar. Daí intimação e intimador.
FAMÍLIA (famia) - no plural, filhos.
FRUITA - jaboticaba (usada sem determinação, tem este único sentido).
FUMO - tabaco.
FINTAR - faltar dolosamente a uma dívida.
IMUNDÍCIA - caça miúda.
LOJA - armazém de fazendas a retalho.
MANGAÇÃO - vadiação.
MANCAR - vadiar
PIÃO - domador.
PINGA - aguardente de cana.
PILINTRA - casquilho.
PATIFE - medroso; sensível.
PANDÓRGA - desmazelado, moleirão.
PINHO - viola.
RANCHO - cabana de campo.
SCISMA - desconfiança; presunção.
SÍTIO - propriedade agrícola menor que a fazenda.
TABACO - rapé.
25. Outras palavras, conservando o seu sentido, ou sentidos, têm adquirido novos:
ÁGUAS - direção das fibras da madeira.
BABADO - folho de vestido de mulher.
DÔBRE - canto (de pássaro), repique (de sino).
DOBRAR - cantar (o pássaro), repicar (o sino).
ESTACA - cabide.
LADRÃO - desvio de uma regueira ou açude; broto de cafeeiro.
SANGRADÔ(URO) - ponto do pescoço do boi, ou outro animal, onde se embebe a faca ao
matá-lo.
SÁIA - fronde que oculta o tronco desde o solo.
VIRGEM - poste de moenda.
SOLDADO - certo pássaro.
TOMBADÔ(URO) - lugar onde tombam as águas de um salto.
VAPÔ(R) - locomotiva
III. - MORFOLOGIA
FORMAÇÃO DE VOCÁBULOS
1. Como já mostrámos ("Lexicologia", "Formações próprias") o dialeto tem dado provas de
grande vitalidade, na formação de numerosos substantivos e adjetivos, quer por composição,
quer por derivação. De ambos os processos fornecemos muitos exemplos.
Registamos agora, aqui, um curiosíssimo processo de reduplicação verbal, corrente não só
entre os caipiras de S. Paulo, mas em todo o país, ou grande parte dele.
Para exprimir ação muito repetida, usa-se uma perífrase formada com o auxiliar vir, ir, estar,
andar, seguido de infinitivo e gerúndio de outro verbo. Assim: vinha pulá(r)-pulando, ia caí(r)-
caindo, estava ou andava chorá(r)-chorando.
A explicação deste fenômeno alguns têm querido ir buscá-la ao tupi, "refugium" de tantos que se
cansam a procurar as razões de fatos obscuros e complicados da linguagem nacional. Não nos
parece que seja preciso apelar para as tendências reduplicativas daquela língua, em primeiro
lugar porque. essas tendências são universais; em segundo lugar, porque se trata de palavras
bem portuguesas, ainda que combinadas de maneira um tanto estranha; em terceiro lugar,
porque há na nossa própria língua elementos para uma explicação, tão boa ou melhor do que a
indiática.
É sabido que, no tempo dos autores quinhentistas, o uso do gerúndio nas perífrases (como
anda cantando), era muito mais vulgar do que hoje. Atualmente, em Portugal, o povo prefere,
quase sempre, a construção com infinitivo (anda a cantar). Assim, a concorrência decisiva entre
os dois processos se pronunciou justamente após a descoberta do Brasil. A particularidade em
questão é talvez legado genuíno dessa época de luta, no qual se reúnem a modalidade mais
freqüente outrora, importada pelos primeiros povoadores, e aquela que depois veio a
predominar. O nosso povo, - inculto, em grande parte produto de mestiçagem recente,
aprendendo a custo o mecanismo da língua, - diante dos dois processos concorrentes, não
atinou, de certo, com as razões por que se preferia ora um, ora outro, e acabou por combiná-los.
Depois, como um efeito, - que não como causa da reduplicação, - os verbos assim combinados
sofreram uma pequena evolução sematológica no sentido da intensificação do seu valor
iterativo. Assim, temos, em esquema:
a virar
Port. - Vinha a virá(r)
ou (a) virá(r) virando
Dial. - Vinha virando
virando
Corrobora esta hipótese o fato de que o nosso caipira, usando a todo o momento de perífrases
com gerúndio de acordo com a velha língua, só muitíssimo raramente empregará, isolada, a
forma popular portuguesa de hoje, - infinitivo com prep. Isto confirma que esta forma lhe terá
causado estranheza desde cedo, originando-se daí a confusão. (19)
2. Várias formações teratológicas já foram apontadas e ainda o serão adiante, neste capítulo
(Flexões de número). Queremos, aqui, deixar apenas registrados os seguintes processos de
que ainda não tratamos:
a) A ETIMOLOGIA POPULAR tem sido fonte de numerosas formas vocabulares novas: de
"guapê", voc. de origem tupi, fez-se aguapé, por se ver nele um composto de água e pé; de
"caa-puan", mato redondo, ilha de mato, fez-se capão; de "caa-puan-era", capoeira; de cobrêlo,
cobreiro (cobra suf. eiro); de torrão, terrão, etc.
b) Também a DERIVAÇÃO REGRESSIVA dá origem a outros termos: assim, de paixão, se fez
paixa, por se tomar aquela forma como um aumentativo; de satisfação, por idêntico motivo, se
tirou sastifa, com hipértese de s.
GÊNERO
3. O adjetivo e o particípio passado deixam, freqüentemente, de sofrer a flexão genérica,
sobretudo se não aparecem contíguos aos substantivos: essas coisarada bunito, as criança
távum quéto, as criação ficarum pestiado.
NÚMERO
4. Já dissemos algo sobre o som de s-z no final dos vocábs. (I, 24). Vamos resumir agora tudo o
que se dá com esse som em tal situação.
Se bem que se trate aqui de flexões, é impossível separar o que se passa com o s final, tomado
como sinal de pluralidade, do que sucede com ele em outras circunstâncias; e dificílimo se torna
reconhecer, em tais fatos, até aonde vão e onde cessam a ação puramente fisiológica, do
domínio da fonética, e a ação analógica, do domínio das formas gramaticais. Porisso faremos
aqui uma exposição geral dos fatos relativos ao s final:
a) Nos VOCÁBULOS ÁTONOS, conserva-se: os, as, nos (contração e pronome), nas. Aliás, há
pronunciada tendência para tornar tônicos esses vocábulos; pela ditongação: ois, ais, etc. A
conjunção mas tornou-se mais.
b) Nos OXÍTONOS, conserva-se, - salvo quando mero sinal de pluralidade: crúiz, retróis, nóis
(nós), nuz (nóz), juiz, ingrêis, vêiz, (vez), dois, trêis, déiz, fáiz, fiz, diz, páiz (paz), pois.
Como sinal de pluralidade, desaparece: os pau, os nó, os ermão, os papé, as frô(r), os urubú.
Excetuam-se os determinativos uns, arguns, seus, meus (sendo que estes dois últimos, quando
isolados, perdem o s: estes carru são seu', esses não são os meu'). Há hesitação em alguns
vocábulos, como péis ao lado de pé'. Réis conserva-se, por se ter perdido a noção de
pluralidade (isto não vale nem um réis) ; semelhantemente, pasteis, pernís, cóis.
c) Nos vocábulos PARO e PROPAROXÍTONOS, desaparece: um arfére, os arfére; o pire, os
pire; dois home; os cavalo, os lático; nóis fizémo, vamo, saímo.
Quando o s pluralizador vem precedido de vogal a que se apoia, desaparece também esta: os
ingrêis (ingleses), as páiz (pazes), às vêiz (vezes), as côr (cores).
Excetuam-se os determinativos, que conservam o s: u"as, argu"as, certos, muitos, estes, duas,
suas, minhas, etc. assim como o pronome eles, elas. Quando pronominados, porém, os
determinativos podem perder o s: Estas carta não são as minha.
5. De acordo com as regras acima, - e abstraindo-se das flexões verbais, - a pluralidade dos
nomes é indicada, geralmente, pelos determinativos: os rei, duas dama, certas hora, u"as
fruita, aqueles minino, minhas ermá, suas pranta.
6. O qualificativo foge, como o subst., à forma pluralizadora: os rei mago, duas casa vendida,
u"as fruita verde, as criança távum queto. Abrem excepção apenas algumas construções, quase
sempre expressões ossificadas, em que há anteposição do adjet.: boas hora, boas tarde.
7. Esta repugnância pela flexão pluralizadora dá lugar a casos curiosos. A frase exclamativa "há
que anos!", equivalente a "há quantos anos!", sofreu esta torção violenta: há que zano! (ou
simplesmente que zano!) Ouve-se freqüentemente bamozimbora. Não se deve interpretar como
bamos+embora, mas como bamo+zimbora, pois o som de z, resultante originariamente da
ligação de vamos com embora, passou a ser entendido pelo caipira como parte integrante da
segunda palavra; tanto assim que diz: nóis bamo, e diz: êle foi zimbora. Prótese semelhante se
dá em zóio (olhos), zarreio (arreios), com o s do art. def. plur. - Outro caso curioso é o que se
dá com a expressão portuguesa uns pares deles, ou delas, que o nosso caipira alterou para
uns par dele e u"as par dela. A frase - Vai-me buscar uns pares deles, ou delas, assim se
traduzirá em dialeto: Vai-me buscá uns par-dele, ou u"as par-dela, como se par-dele e par-dela
fossem as formas do masculino e do feminino de um simples substant. coletivo.
GRADAÇÃO
8. As flexões de grau subordinam-se às regras gerais da língua. Apenas algumas observações:
a) QUANTIDADE - O aumentativo e o diminutivo têm constante emprego, sendo que as flexões
vivas quase se limitam a ão ona para o primeiro, inho inha, ico ica para o segundo.
Nos nomes próprios de uso mais generalizado, há grande número de formas consagradas:
Pedrão, Pedróca, Zé, Zezico, Zéca, Zêquinha, Juca, Juquinha, Jica, Jéca (José); Quim,
Quinzinho, Quinzóte (Joaquim); Joanico, Janjão, Zico, (João); Totá, Totico, Tonico (Antônio)
Mandá, Manduca, Maneco, Mané, Manécão, Manéquinho (Manuel); Carola (Carolina); Manca,
Maricóta, Mariquinha, Mariquita, Maruca, Maróca (Maria); Colaca, Colaquinha (Escolástica);
Anica, Aninha (Ana) ; Tuca, Tuda, Tudinha, Tudica (Gertrudes).
O emprego do aumentat. e do dimin. estende-se largamente aos adjetivos e aos próprios
advérbios: longinho, pertinho, assimzinho, agórinha. Acompanham estas últimas formas
particularidades muito especiais de sentido: longinho equivale a "um pouco longe"; pertinho, a
"bem perto, muito perto"; assinzinho, a "deste pequeno porte, deste pequeno tamanho";
agorinha, a "neste mesmo instante", "há muito pouco", "já, daqui a nada".
Dir-se-ia existir qualquer "simpatia" psicológica entre a flexão diminutiva e a idéia adverbial. São
expressões correntes: falá baxinho, parô um bocadinho, andava deste jeitinho, vô lá num
instantinho, falô direitinho, ia devagarinho, fartava no sírviço cada passinho, etc.
b) COMPARAÇÃO - As formas sintéticas são freqüentemente substituídas pelas analíticas: mais
grande, mais piqueno, mais bão, mais rúm e até mais mio, mais pió.
c) SUPERLATIVIDADE - Quase inteiramente limitada às formas analíticas.
FLEXÕES VERBAIS
9. PESSOA - Só se empregam correntemente as formas da 1.ª e 3.ª pessoas. A 2.ª pessoa do
sing., embora usada às vezes, por ênfase, assimila-se às formas da 3.ª: Tu num cala essa
bôca? Tu vai? A 2.ª do plur. aparece de quando em quando com suas formas próprias, no
imperativo: oiai, cumei.
10. NÚMERO - O plural da 1.ª pessoa perde o s: bamo, fômo, fazêmo. Quando esdrúxula, a
forma se identifica com a do sing.: nóis ia, fosse, andava, andasse, andaria, fazia, fizesse,
fazeria. Nas formas do preter. perf. do indic. dos verbos em ar, a tônica muda-se em e:
trabaiêmo - trabalhamos, caminhêmo = caminhamos.
O plural da 3.ª modifica-se: quérim, quiríum, quizérum, quêirum; ándum, andávum, andárum,
ándim. No pres. do indic. de pôr, ter, vir, as formas da 3.ª pessoa são: ponham, tenham,
venham.
11. MODOS E TEMPOS - 0 fut. imperf. do indic. exprime-se com as formas do presente: eu vô,
nóis fazêmo, ele manda, por "eu irei", "nós faremos", "ele mandará". Entretanto, dubitativamente,
empregam-se as formas próprias, às vezes modificadas: Fazerêmo? - Fazerá? - Não sei se
fazerei - Quem sá' se fazerão! Será verdade? Sei lá se irei!
12. Com o condicional se dá coisa parecida. Correntemente, é expresso pelas formas do imperf.
do indic.: eu dizia, ele era capáiz; mas: Dizeria? - Não sei se poderia - Seria verdade?
13. Aparecem não raro formas próprias do imperativo, do sing. e do plur., - anda, puxa, vai,
andai, correi, trabaiai; são, porém, detritos sem vitalidade, que se empregam sem consciência
do seu papel morfológico, de mistura com as formas da 3.ª pessoa, únicas vivas e correntes.
PRONOMES
14. Tu tem emprego puramente enfático, ligando-se a formas verbais da 3.ª pessoa: tu bem
sabia, tu vai, tu disse, Vóis (vós) já não se ouve, senão, talvez, excepcionalmente.
15. Os casos oblíquos nos, vos têm emprego muito restrito: na maior parte das vezes preferemse-
lhes as formas analíticas pra nóis, pra você. Vos já não corresponde a Vós, mas a vacê: - v.
já deve de sabê, porque eu vos disse muntas vêis.
16. Outras formas pronominais: a gente, u"a pessoa (ambas correspondentes ao francês on) ;
você e suas variantes, todas muito usadas, vacê, Vancê, vossuncê, vassuncê, mecê, ocê.
17. Um fato que merece menção, apesar de pertencer mais ao linguajar dos pretos boçais do
que propriamente ao dialeto caipira: a invariabilidade genérica do pronome ele, junta à
invariabilidade numeral. Quando se trata de indicar pluralidade, o pronome ele se pospõe ao
artigo def. os, e tanto pode referir-se ao gênero masculino, como ao feminino: osêle, zêle fóro
zimbora - eles (ou elas) foram-se embora.
IV. - SINTAXE
1. A complexidade dos fenômenos sintáticos, ainda pouco estudados no dialeto, - apenas
enumerados às vezes, - não permite por ora sequer tentativas de sistematização. Só depois de
acumulado muito material e depois de este bem verificado e bem apurado é que se poderão ir
procurando as linhas gerais da evolução realizada, e tentando dividi-lo em classes.
O material que conseguimos reunir é pouco, e ainda não estará livre de incertezas e dúvidas;
mas foi colhido da própria realidade viva do dialeto, e tão conscienciosamente como o mais que
vai exposto nas outras partes deste trabalho.
FATOS RELATIVOS AO SUJEITO
2. Há no dialeto urna maneira de indicar o sujeito vagamente determinado, isto é, um indivíduo
qualquer de uma classe ou indivíduos quaisquer de uma classe. Exprime-se por um substantivo
no singular sem artigo: Cavalo tava rinchando - Macaco assubiô no pau - Mamono tá rebentano
(Um cavalo estava a rinchar, rinchava - Um macaco assoviou, macacos assoviaram no pau - O
mamono está, os mamonos estão rebentando).
3. Convém acrescentar, porém, que a supressão. do art. def. antes do sujeito, mesmo
determinado, não é rara: Patrão não trabaia hoje -Pai qué que eu vá - Chuva tá caíno.
4. Quando o sujeito é algum dos coletivos gente, família, etc., o verbo aparece freqüentemente
no plural: Aquela gente são muito bão(s) - A tar famía são levado da breca - A cabocrada tão
fazeno festa.
Encontra-se esta particularidade, igualmente, no falar do povo português, e vem de longe, como
provam numerosos exemplos literários. Um de Camões (Lus., I, 38):
Se esta gente que busca outro hemisfério,
Cuja valia e obras tanto amaste,
Não queres que padeçam vitupério.
Outro, de Duarte N. ("Orig.", cap. 2.º):
...com hu"a gente de Hespanha chamados indigetes...
5. As cláusulas infinitivas dependentes de para têm por sujeito o pronome oblíquo mim, nos
casos em que o sujeito deveria ser eu: Êle trôxe u"as fruita pra mim cumê(r).
Este, como muitos outros, como quase todos os fatos da sintaxe caipira e popular de S. Paulo,
repete-se nas outras regiões do país. Um exemplo dos "Cantos populares" de S. Romero:
Ora toque, seu Quindim.
Para mim dansar.
PRONOME
6. O pronome ele ela pode ser objeto direto: Peguei ele, enxerguei elas.
Este fato é um dos mais generalizados pelas diversas regiões do país. Dele se encontram
alguns exemplos em antigos documentos da língua; mas é claro que o brasileirismo se produziu
independentemente de qualquer relação histórica com o fenômeno que se verificou, sem
continuidade, no período ante-clássico do português.
7. O pronome oblíquo o a perdeu toda a vitalidade, aparecendo quase unicamente encravado
em frases ossificadas: Que o lambeu! etc.
8. Sobre as formas nos e vos, ver o que ficou dito na "Morfologia".
9. De lhe só usam os caipiras referido à pessóa com quem se fala. Assim, dizem eles, dirigindose
a alguém: - Eu já le falei, fulano me afianço que le escrevia, i. é, "eu já lhe falei" (ao senhor, a
você), "fulano me assegurou que lhe escrevia" (a você, ao senhor).
Pode dizer-se, pois, que o pronome lhe, conservando a sua função de pronome. da "terceira"
pessoa gramatical, só se refere, de fato, à "segunda" pessoa real.
Aludindo a um terceiro indivíduo, o caipira dirá: Eu já decrarei pr'a ele, fulano me garantiu que
escreveu pr'a ele.
10. J. Mor. (1.º vol), tratando do emprego de formas pronominais nominativas como
complemento seguido de prep. (no aragonês, provençal, valenciano, etc.), diz:
De construção semelhante encontram-se exemplos nos "Cantos populares do Brasil",
interessante publicação do sr. Sílvio Romero:
Yayá dá-me um doce,
Quem pede sou eu;
Yayá não me dá,
Não quer bem a eu.
É possível que no Norte elo país se encontre essa construção. Em S. Paulo o caipira diz: Não
qué bem eu, sem prep., ou não me qué bem eu. Aliás, isto é fato isolado. A regra, quando se
trata da primeira pessoa, e usar dos casos oblíquos: Não me qué, não me obedece, não me
visitô.
CONJUGAÇÃO PERIFRÁSTICA
11. Na conjugação perífrástica o gerúndio é sempre preferido ao infinitivo precedido de
preposição, vulgar em Portugal e até de rigor entre o povo daquele país. (J. Mor., cap.. XX, 1.º
vol.). Aqui se diz, invariavelmente: - Anda viajando - Ia caindo, estão florescendo, ao passo que,
em Portugal, especialmente entre o povo, se diz em tais casos: "estou a estudar", "anda a
viajar", "ia a cair" ou para cair", etc.
O nosso uso é o mesmo dos quinhentistas e seiscentistas, dos quais se poderia citar
copiosíssima exemplificação. Escrevia frei Luís de Sousa na "Vida de Dom Frei Bartolomeu", de
perfeito acordo com a nossa atual maneira:
"... ia fazendo matéria de tudo quanto via no campo e na serra para louvar a Deos; offereceu-selhe
á vista não longe do caminho... um menino pobre, e bem mal reparado de roupa, que vigiava
umas ovelhinhas que ao longe andavam pastando.
12. A ação reiterada, contínua, insistente, é expressa por uma forma curiosíssima: Fulano anda
corrê-corrêno p'ras ruas sem o quê fazê - A povre da nha Tuda véve só chorá-chorano despois
que perdeu o marido (V. "Morf.", 1).
TER E HAVER
13. O verbo ter usa-se impessoalmente em vez de haver, quando o complemento não encerra
noção de tempo: Tinha munta gente na eigreja - Tem home que não gosta de caçada - Naquêle
barranco tem pedra de fogo.
14. Quando o complemento é tempo, ano, semana, emprega-se às vezes haver, porém, mais
geralmente, fazer: Já fáiz mais de ano que eu não vos vejo - Estive na sua casa fáiz quinze dia.
15. Haver é limitado a certas e raras construções: Há que tempo! - Há












italiana, o nosso caipira (e com ele, ainda aqui, toda a gente está de acordo, por todo o país):
num vem mais, num quero mais.
Esta prática é tão geral (diz, referindo-se ao Brasil, J. Mor., cap. XXX, 1.º vol.) que os próprios
gramáticos não sabem ou não querem evitá-la. Assim, Júlio Ribeiro, na sua Gramática
Portuguesa, escreve: "Hoje não é mais usado tal advérbio". Entre nós dir-se-ia: "já não é usado"
ou "já não se usa tal advérbio".
A observação é em tudo exata. Só lhe faltou acrescentar que, como tantas outras
particularidades sintáticas de que nos ocupamos, também desta há exemplos antigos na língua,
e talvez at

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