Origem da plavra Caipira

Baseado na Grande Reportagem “Os Rumos da Música Caipira no Vale do Paraíba”, de Anderson Borba Ciola e Fábio Cecílio Alba, a origem da palavra caipira ainda é motivo de controvérsias. Segundo o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luiz Câmara Cascudo, a palavra significa “homem ou mulher que não mora em povoação, que não tem instrução ou trato social, que não sabe vestir-se ou apresentar-se em público. Habitante do interior, tímido e desajeitado...”. Robert W. Shirley, em seu livro “O fim de uma tradição”, critica a posição de Câmara Cascudo, dizendo que: “Esta definição em si mesma, revela a extensão da grande lacuna social entre os escritores urbanos e os camponeses, pois, de fato, o caipira tem uma cultura distintiva e elaborada, rica em seus próprios valores, organizações e tradições”. Já no Dicionário Aurélio é encontrada a seguinte definição: “Habitante do campo ou da roça, particularmente os de pouca instrução e de convívio e modos rústicos”. Cornélio Pires, jornalista e violeiro, em seu livro “Conversas ao pé do fogo” define a palavra caipira da seguinte forma: “Por mais que rebusque o étimo de caipira, nada tenho deduzido com firmeza. Caipira seria o aldeão; neste caso encontramos o tupi-guarani capiâbiguâara. Caipirismo é acanhamento, gesto de ocultar o rosto, neste caso temos a raiz ‘caí’, que quer dizer gesto de macaco ocultando o rosto. Capipiara, que quer dizer o que é do mato. Capiã, de dentro do mato, faz lembrar o capiau mineiro. Caapiára quer dizer lavrador e o caipira é sempre lavrador. Creio ser este último o mais aceitável, pois caipira quer dizer roceiro, isto é, lavrador...”.

28.2.11

Uma abordagem sumária de Parceiros do Rio Bonito. A história do Caipira Paulista

Uma abordagem sumária de Parceiros do Rio Bonito.

A história do Caipira Paulista

Lazer e Educação, Natureza e Cultura

Departamento de Pós Graduação da Educação Física

UNESP – Rio Claro – SP

(Brasil)

Caroline de Miranda Borges

Carmen Maria Aguiar

carol_line.miranda@yahoo.com.br

Resumo

O livro de Antonio Candido trata da descrição das mudanças da vida do caipira diante da expansão econômica capitalista, que causa grande impacto, provocando uma crise e obrigando-o à elaboração de um novo "ajuste ecológico".

Pressionada pela modernização, a cultura caipira "caminha para o fim inevitável" mas é ainda capaz de criar "formas de resistência" e para compreender o presente exige a investigação do passado.

A dimensão econômica cresceu de tal forma a desequilibrar a situação anterior, que o caipira é forçado a multiplicar o esforço físico, mas tende a atrofiar as formas coletivas de organização do trabalho, cortando as possibilidades de uma sociabilidade mais viva e de uma cultura mais harmônica. O trabalhador é projetado do âmbito comunitário para a esfera de influência economia regional, individualizando-se. Há então a necessidade da renúncia aos padrões anteriores e a aceitação plena do trabalho controlado.

A industrialização, a diferenciação agrícola, a extensão do crédito, a abertura do mercado interno ocasionaram uma nova e mais profunda revolução na estrutura social de São Paulo. Graças aos recursos modernos de comunicação, ao aumento da densidade demográfica e à generalização das necessidades complementares, acham-se agora frente a frente homens do campo e da cidade, sitiantes e fazendeiros, assalariados agrícolas e operários – bruscamente reaproximados o espaço geográfico e social, participando de um universo que desvenda dolorosamente as discrepâncias econômicas e culturais. Nesse diálogo, em que se empenham todas as vozes, a mais fraca e menos ouvida é certamente a do caipira que permanece no seu torrão.

Em momentos como o nosso em que vemos a possibilidade de ação sobre a Natureza e a Sociedade aumentarem em número e eficiência, podemos realmente compreender, segundo Marx, que “a cidade resulta da concentração de população, dos instrumentos de produção, do capital, dos gozos, das necessidades, enquanto o campo mostra justamente o caso contrário, o isolamento e a separação. A oposição entre campo e cidade só pode existir no quadro da propriedade privada. É a expressão mais grosseira da subordinação do indivíduo à divisão do trabalho e a uma determinada atividade que lhe é imposta. Subordinação que faz de um, um animal limitado da cidade; de outro, um animal limitado do campo, reproduzindo cada dia o conflito dos seus interesses.”

Seu livro contém uma proposta política: recuperar a voz dos "marginalizados da colonização" e defender a inclusão do caipira num mundo que se moderniza por meio da reforma agrária.

Unitermos: Caipira. Rio Bonito. Antonio Cândido. Cultura brasileira. Manifestação popular. Ajuste ecológico. São Paulo. Paulista.

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 126 - Noviembre de 2008

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O livro de Antonio Candido trata da descrição das mudanças da vida do caipira diante da expansão econômica capitalista, que causa grande impacto, provocando uma crise e obrigando-o à elaboração de um novo "ajuste ecológico".

Pressionada pela modernização, a cultura caipira "caminha para o fim inevitável" mas é ainda capaz de criar "formas de resistência" e para compreender o presente exige a investigação do passado.

A antropologia, a História e a Sociologia convergem para um mesmo tema, o processo de formação da sociedade nacional. Executar tal combinação permite-lhe recusar a definição mais tradicional de "comunidade" e propor, no seu lugar, o conceito de "bairro”.

O livro é dividido em três partes.

  • A primeira trata-se da reconstrução histórica da sociedade caipira que trata das relações sociais básicas e os meios elementares de subsistência.

  • A segunda mais antropológica que descreve técnicas de lida da terra, festas religiosas, dieta dos parceiros de Bofete – interior de SP.

  • A terceira com um contexto mais sociológico analisa como o crescimento da economia capitalista e sua influência destrutiva à cultura tradicional caipira.

O livro é uma pesquisa iniciada em 1947 e se adentrando até 1954, abrangendo os municípios de Piracicaba, Tietê, Porto Feliz, Conchas, Anhembi, Botucatu e na maior parte em Bofete, esse trabalho foi apresentado como tese de doutorado em Ciências Sociais à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.

Na Introdução nos deparamos com conceitos oriundos das situações de mudança das sociedades civilizadas, os mínimos vitais e sociais, nos mostra a importância do estudo da alimentação e com ela a cadeia que gera as relações humanas no grupo.

Iª parte. A vida caipira tradicional

1. Rusticidade e economia fechada

O propósito desse livro é analisar os aspectos referentes à obtenção dos meios de vida e até que ponto se enquadra nas situações sócio-culturais mínimas. A sociedade caipira tradicional elaborou técnicas que permitiram estabilizar as relações do grupo com o meio, mediante o conhecimento dos recursos naturais, a sua exploração sistemática e o estabelecimento de uma dieta compatível com o mínimo vital, uma relação social tipo fechada e com base na economia de subsistência.

CASA do caipira – chamada de rancho (pouso), é um abrigo de palha, sobre paredes de pau-a-pique ou varas não barreadas levemente pousado no solo. Algumas infestadas de baratas, miseráveis choupanas de um andar, o chão não é pavimentado nem assoalhado.

Um traço extremo de rusticidade do caipira, sita o autor:

... um velho morador do bairro referia ao dito do seu avô, segundo o qual uma árvore com sombra era o bastante para um homem morar.

A esta rudeza correspondiam técnicas e usos igualmente rudimentares. A “gente do sítio” fazia tudo e raramente ia ao comércio só para comprar sal. Não havia muitos negócios, cada um consumia o seu produto e até sobrava mantimento que “não tinha preço”.

Faziam fios de algodão que transformavam em pano para confecção de roupas.

Trançavam-se chapéus de junco, que duravam 2 anos.

Andavam geralmente descalços e o único calçado era a precata (alpargata), feita igualmente em casa.

Os utensílios eram na maioria feitos em casa: gamela de raiz de figueira, vasilha e prato de prorungaetê, cuia de beber, pote de barro, colher de pau, etc...

A pólvora para armas era feita de mato crindiúva, que se deixava secar, enterrava e queimava resultando em um carvão fino, misturado com salitre e enxofre, passava-se pelo pilão e peneira, pois quanto mais fino melhor.

As balas era de chumbo derretido e derramado em buracos abertos no chão duro, do tamanho desejado; o resfriamento e solidificação eram rápidos.

Iluminação era feita com candeeiros de barro, com banha de porco ou azeite de mamona e torcida de algodão.

O açúcar era de rapadura feito em moendas manuais de madeira e fornos de barro, com formas ou tachos de lata e cobre.

Segundo Saint-Hilaire, naturalista francês que veio para o Brasil em 1816 com o objetivo de estudar a flora brasileira, dizia do caipira paulista:

“...ser muito rústico, primitivo, brutal, macambúzio e desprovido de civilidade.A mistura de branco e índio, dominante no paulista, é fator de inferioridade, dando produtos muito piores que os de branco e negro.”

Para o caipira, a agricultura extensiva, itinerante, foi um recurso para estabelecer o equilíbrio ecológico: recurso para ajustar as necessidades de sobrevivência à falta de técnicas capazes de proporcionar rendimento maior a terra.

2. Alimentação e recursos alimentares

O caipira paulista se nutria como quem se contenta com o mínimo para não demorar as interrupções da jornada.

Esse mínimo alimentar corresponde ao mínimo vital, e a um mínimo social: suficiente para sustentar a vida, organização social limitada à sobrevivência do grupo.

A economia no tempo dos bandeirantes era voltada a atividades nômades, à presa, à coleta. Já a do caipira seu descendente, era uma economia fechada, de subsistência, ligada à agricultura itinerante, à coleta, à caça e à pesca.Ajustava-se a técnica dos índios, estreitando laços com a terra, favorecendo a mobilidade, penetrando nas formas de equilíbrio ecológico. Daí nesse mameluco de corpo e alma, existe esse certo apego aos alimentos da terra.

O feijão, o milho e a mandioca, plantas indígenas, constituem o seu triângulo básico alimentar vindo a mandioca ser substituída mais tarde pelo arroz.

Já o leite, o trigo, a carne de vaca eram indicadores de situação social acima da média.

Técnicas de caça foram herdadas dos índios, conhecimento minucioso dos hábitos dos animais, técnicas precisas de captura e morte.

3. Os tipos de povoamento

Destaca-se alguns tipos de moradores:

Morador transitório – que pode ser:

  • o cultivador nômade geralmente fugitivo de autoridades com interesse de se isolar e que não tem título da terra.

  • o agregado que tem permissão do proprietário para morar e lavrar a terra, sem pagamento, salvo alguma prestação de serviço.

  • O posseiro que não tem permissão e freqüentemente ignora a situação legal da terra que ocupa.

Sitiante ou fazendeiro – é o dono da terra.

Sesmaria – fazenda de grande extensão – concessão de terra a quem requeresse legalmente, com a condição de lavra-la dentro de seis meses.

A estrutura fundamental da sociabilidade caipira, são os chamados “bairros” agrupamento de algumas famílias, vinculadas ao sentimento de localidade, pela convivência, pelas práticas de auxílio mútuo e atividades lúdicos religiosas.

4. As formas de solidariedade

A necessidade de ajuda, imposta pela técnica agrícola e a sua retribuição automática, determinava a formação duma rede ampla de relações, ligando uns aos outros e contribuindo para a sua unidade estrutural e funcional.

Usa-se também a ajuda denominada “mutirão” – segundo o caipira é um gesto de amizade e não uma prestação de socorro.

A cultura caipira se desenvolveu e conservou na base dos agrupamentos rurais mais ou menos autárquicos, onde aparecem, em toda a sua rusticidade equilibrada, aqueles mínimos de vida e sociabilidade cuja manifestação se vê nesse livro.

5. O Caipira e a sua cultura

O caipira descendente de branco com índio, caboclo, não se adaptou as formas mais produtivas e exaustivas de trabalho. Era caçador subnutrido, senhor do seu destino graças à independência precária da miséria, refugou o enquadramento do salário e do patrão, os moldes traçados pelo trabalho serviu não lhe cabiam. Não lhe era atrativo o papel de escravo ou colono.

A cultura do caipira não foi feita para o progresso, a sua mudança é o seu fim, porque está baseada em tipos tão precários de ajustamento ecológico e social que até o corte de uma árvore leva-o a deixar de sentir prazer em viver. (pág. 108)

Sua cultura se caracteriza pelo isolamento, posse de terras, trabalho doméstico, auxílio vicinal, disponibilidade de terras, margem de lazer.

A posse, ou ocupação da terra, pesou na vida social e cultural do caipira paulista, foi empurrado para as áreas despovoadas do sertão, onde se defrontava com riscos da destruição física ou na ausência de leis sociais. Uma das causas dessa anomia social era a preguiça, que seria um traço fundamental do caipira e responsável pelo seu baixo nível de vida. Baseado nessa idéia foi criado por Monteiro Lobato o personagem Jeca Tatu. Esse fenômeno de não adaptação ao trabalho intenso e contínuo exigido nas grandes plantações trazidas pelo desenvolvimento econômico, não deve ser considerado vadiagem, mas sim desnecessidade de trabalhar. Pois o caipira vivia com pouco, somente o necessário e não se adaptava em produzir além das suas necessidades.

IIª parte. A situação presente

6. Um município marginal

Bofete fica no centro sul do estado de São Paulo, cercada pelos municípios de Botucatu, Itatinga, Angatuba, Guareí, Porangaba, Conchas e Anhembi onde foi realizada essa pesquisa.

A evolução social paulista é marcada pelo desenvolvimento de formas renovadas de associação humana e de mudança cultural, devido ao aparecimento dos latifúndios a mão de obra passou a ser mais exigida e regulada, A cultura caipira se concentrou nas áreas onde ainda não existiam esse tipo de ocupação da terra, para ele o regime de trabalho e a situação legal da terra não era o mais importante,

Nesse capítulo o autor faz um levantamento histórico-econômico do município de Bofete e região, comparando seu crescimento econômico com a influência do café e o crescimento urbano do município. Apresenta também a migração do campo para a cidade e do campo para outras regiões tais como Sorocaba e até Paraná.

Aparecem já em 1954 os rádios, as geladeiras nos bares da cidade, postos de saúde, prédios na vila, abastecimento de água e luz elétrica e aumento do número de escolas.

7. População rural e parceria

Em 1953 as propriedades rurais se dividiam em pequenas, médias e grandes sendo as pequenas em maior número ocupando 16% da superfície total e as grandes em menor número mas ocupando 57% do total da área rural.

Os proprietários de fazendas e sítios devido à decadência do café passaram a arrendar suas terras e a trabalhar como parceria, que é uma sociedade, pela qual o fazendeiro fornece a terra, ficando com o direito sobre parte dos produtos obtidos pelo arrendatário ou parceiro. O fazendeiro concedia moradia durante o período de parceria.

Em Bofete preponderava a meação, vindo em seguida a sociedade a 20%.

Algumas fazendas eram tocadas em regime de colonato, cuja obrigação do colono ou parceiro consiste em plantar e tratar da planta do fazendeiro até 3 a 4 anos e é livre para efetuar plantações intercaladas para si próprio.

A influência de imigrantes nas relações sócio-econômicas de Bofete era maior em 1920 que em 1940, a maior predominância na região era de italianos e brasileiros velhos. O caipira da região era branco, freqüentemente louro. Tinha-se notícias de poucos mulatos, pouquíssimos negros.

8. Os trabalhos e os dias

A pesquisa nesse capítulo é focada nas transformações econômicas, técnicas e culturais ocorridas em uma grande fazenda da região, observando as grandes mudanças sofridas na vida tradicional do caipira.

Em 1918 deixou de ser fazenda administrada pelo proprietário explorador de atividade agrícola ou pecuária para se tornar um conjunto de glebas dadas em parceria, sob a vigilância do proprietário (de longe).

Glebas – terrenos próprios para cultura sob responsabilidade de outros

Não se encontram pretos e portugueses somente caipiras aforantes,

Sobre as ruínas do latifúndio, na ausência de liderança econômica, a cultura tradicional se refez como cicatriz, restabelecendo-se o ritmo interrompido do caipira. A fazenda se tornou quase um bairro no sentido social da palavra.

A antiga fazenda se dividiu em dois bairros – ou núcleos, são eles: Morro com 17 casas e o da Baixada com 11 casas.

Casa do caipira – dividida em quatro peças de parede a meia altura e sem forro. As atividades domésticas e a do conforto pessoal se processa no exterior da casa, A higiene e excreções pessoais eram feitas na parte de fora da casa, requerendo a bica d’ água que descia por tábuas que permitiam também a lavagem de roupas, utensílios, banho...

Os apêndices da casa era o forno de barro coberto com sapé, chiqueiros, chocadeiras, moenda manual, pilão de pé, horta, pomar esses indicavam uma maior estabilidade econômica encontrada mais nos parceiros ou sitiantes que cuidam da roçada, aceito, queimada, aração, plantio, limpeza, colheita. ( 20% da produção fica para o proprietário da terra).

Para o caipira não passava da casa com a bica de uso comunitário revelando a penúria e a dependência em relação aos vizinhos.

A vida se pautava na agricultura de semi-subsistência e as plantações eram de feijão, arroz e milho, as vezes mandioca, amendoim e algodão quando o preço no mercado estava bom.

A extensão da área cultivada por cada parceiro dependia do número de braços com que podia contar, daí a importância da família numerosa e a criança ajudava já logo depois que passava pela puberdade e a conta era a seguinte:

Capacidade de obtenção de área cultivada:

  • 1 homem toca 1 alqueire de milho, ¼ de alqueire de feijão e ¼ de alqueire de arroz.

Se ele plantar apenas um dos produtos acima:

  • Milho – 3 alqueires

  • Feijão – 2 alqueires

  • Arroz – ½ alqueire

  • Batatinha – 1 alqueire

  • Algodão – ½ alqueire

Nesse cálculo pode variar um pouco se considerar fatores pessoais tais como: assiduidade, disposição, capricho.

No ciclo de plantação até a colheita usa-se machado, foice, arado, cavadeira e enxada.

A contagem de tempo para o caipira é diferente do trabalhador urbano, o parceiro deve obedecer um ritmo de trabalho, em unidades de tempo que são dia, semana e ano agrícola orientando-se do ciclo germinativo da plantação. Para o operário urbano, já possui como referência temporal a jornada fixa, a hora e minutos que mostram um rendimento fixo imediato do esforço e dos elementos temporais em que se decompõe uma operação.

Para o colono o mês é a unidade fundamental que regula o recebimento do dinheiro, mas para o caipira não, as contas se fecham a cada término do ano agrícola e para eles 30 dias não significam nada.

O ritmo da vida do caipira é determinado pelo dia que delimita a alternativa de esforço e repouso e pela semana que é medida pela revolução da lua que indica a suspensão da faina por 24 horas, regula a ocorrência das festas e o contato com as povoações e pelo ano que contém a evolução das sementes e das plantas.

O caipira desperta às 5 horas, lava o rosto, faz a primeira refeição e dá ração de milho às criações. Vai para o local de trabalho, longe de casa geralmente distante 200 a 1000 metros. Trabalha até o pôr-do-sol, jornada de 12 horas no verão e de 10 no inverno, interrompida às 8:30 para o almoço de ½ hora e ao meio dia para merenda com parada de 1 hora para também o repouso. Volta pra casa dá milho às criações, lava as mãos, o rosto, os pés e janta das 19 em diante. Às 22 horas todos estão dormindo e a maioria se deita logo após as 20 horas.

A semana tem papel marcante no lazer, na recreação, nos contatos sociais e nas relações comerciais do caipira. O parceiro e sitiante, nos períodos de menos trabalho, dispõe do sábado e do domingo para ir ao povoado, para fazer compras, transações, passeios. Nestes dias têm lugar as festas, nas capelas ou nas casas, as visitas de bairro a bairro, as recreações locais tais como jogo de malha, caça e pesca.

Para o caipira o ano começa em agosto preparando a terra para o plantio, planta-se de outubro e colhe-se em maio e termina em julho com as últimas operações de colheita. Nesse local estudado não existem a lavoura de julho – café e a cana-de-açúcar.

Nessa divisão segundo o ritmo agrário temos a festa de São João – 24 de junho que encerra o ano agrícola e a 16 de agosto – festa de São Roque que reabre o ano agrícola.

Mutirão – na cultura caipira tem atitude positiva dos mais velhos e negativa dos moços.

Vizinhos imediatos e parentes, sitiantes e parceiros autônomos – positiva

Parceiros-empreiteiros e empreiteiros - negativos

Nota-se o enfraquecimento do tipo de solidariedade própria ao mutirão pelos padrões atuais, antes ofereciam festas com comida para os ajudantes, hoje os ajudantes já levam a sua própria comida devido a incerteza que denota a crise dos padrões atuais.

9. A dieta

Pela manhã toma café simples, pó fervido com garapa e pó de café que varia conforme as posses de cada um, as vezes bebe só água fervida com garapa.

Almoço e merenda – panela de +/- 1 litro com a colher amarrada sobre a tampa e envolta num embornal de algodão. 1 garrafa de café ou água com garapa fria.

8:30 as 9:00 – almoço e as 12:00 – merenda

Jantar – 19:00

Sua dieta se baseia em arroz, feijão, farinha e carne de caça, ou porco ou carne seca ou frango e café todos os dias.

Também pode-se dizer do uso da manjuba (peixe seco), macarrão e pinga (1 garrafa de 15 em 15 dias).

Verduras – couve e alface as vezes repolho, serralha e beldroega.

Padrão culinário indica o abuso do uso de banha de porco, usada também para conservar alimentos.

10. Obtenção dos alimentos

A situação alimentar do caipira paulista empobreceu, nota-se o desaparecimento da farinha de mandioca, da carne de caça, a farinha de trigo.

Antes eles mesmos, dentro de uma economia fechada, produziam seus próprios alimentos, hoje dependem da produtividade da terra, vivem em função do dinheiro que conseguem com o fruto do seu trabalho e das razões econômicas do mundo capitalista.

O caipira passou a ser dependente do mundo exterior, não fabrica mais o açúcar, não limpa mais o seu arroz, não faz a sua farinha, com isso perde-se a transferência de elementos culturais que caracterizam a sociedade caipira na sua adaptação ao meio.

“Etiqueta do caipira”

  • Todo alimento deve ser oferecido e nenhum aceito sem negativa prévia.

  • Nada é mais impolido que demonstrar cobiça por alimento alheio

  • Pode-se numa refeição aceitar arroz e feijão mas carne jamais.

  • A comida é sempre considerada indigna por quem oferece e de raro paladar por quem aceita.

  • Quando se mata uma caça, envia-se um pedaço a cada vizinho, ficará mal visto quem se mostrar parcimonioso em proveito próprio, as vezes não sobra quase nada para o ofertante.

Qualquer infração destes padrões acarreta ressentimentos profundos e duradouros.

11. Valor nutritivo da dieta

A dieta do caipira era mal equilibrada, deficiente devido a situação de ampla carência que atinge todos os setores de sua vida. Para conseguir a estreita margem de lucro que lhe permitisse sobreviver, o caipira se viu na obrigação de reduzir drasticamente a satisfação das necessidades, e tinha estritamente o necessário para não passar fome.

Ao lado desta necessidade constante, desenvolveu-se a fome psíquica, o desejo permanente das misturas queridas: carne, pão, leite. Isso é grave, pois a desejabilidade do alimento constitui fator ponderável no seu aproveitamento orgânico e que semelhante privação pode dar lugar a insatisfações psíquicas que levam a turbulências orgânicas e a embriaguez.

IIIª parte. Análise da mudança

Na primeira parte, a cultura caipira foi apresentada em função dos níveis mínimos, mas organicamente entrosados, de subsistência e vida social, exprimindo um tipo de economia semifechada – auto-suficiente. Esta foi caracterizada pela estrutura dos agrupamentos de vizinhança e o equilíbrio instável com o meio, obtido por técnica rudimentar.

Na segunda parte, houve uma mudança, passa-se de uma economia semifechada para uma economia capitalista, manifestando sintomas de crise social e cultural.

Fatos persistência – equipamentos e formas sociais que estabelecem continuidade entre sucessivas etapas do processo de transformação.

Fatos alteração – formações novas, geradas no seio do grupo, ou nele incorporadas por difusão ou reajuste do seu funcionamento.

12. Relações de trabalho e comércio

A marcha da urbanização está ligada ao progresso industrial e conseqüente abertura de mercados, daí a penetração em áreas rurais e de bens de consumo até então desconhecidos. Surge então para o caipira necessidades novas, que ajudam a intensificar vínculos e relações sociais, destruindo a sua autonomia e ligando-o ao ritmo da economia geral ligada a região, ao estado e ao país, em contraste com a economia particular, centralizada pela vida de bairro e baseada na subsistência que antes ele tinha.

Com isso o caipira passa a ser atingido pelos preços de mercado dos produtos agrícolas afetando o equilíbrio da sua economia doméstica. Vê-se então a necessidade de se fazer um orçamento doméstico, mesmo que virtual, fase a ausência de dinheiro e o incapacidade de compra e venda.

Hoje a dimensão econômica cresceu de tal forma a desequilibrar a situação anterior, que o caipira é forçado a multiplicar o esforço físico, mas tende a atrofiar as formas coletivas de organização do trabalho, cortando as possibilidades de uma sociabilidade mais viva e de uma cultura mais harmônica. O trabalhador é projetado do âmbito comunitário para a esfera de influência economia regional, individualizando-se. Há então a necessidade da renúncia aos padrões anteriores e a aceitação plena do trabalho controlado.

Com isso distingui-se 3 modalidades de indivíduos: os que procuram se enquadrar as novas condições, os que se apegam a vida tradicional conciliando as exigências atuais da vida capitalista e os que são totalmente incapazes de se ajustar.

  1. Lavrador Nhô Quim: Ébrio regenerado, não guarda dia santo, não passeia, não vai a festas, não participa de quaisquer práticas religiosas, trabalha rijo com auxílio dos seus, possui melhor condições financeiras entre os parceiros além de ter o plantio de subsistência, dedica-se a cultura de amendoim, algodão e formação de cafeeiros.

  2. Nhô Bicudo e filho Vico: vida religiosa aplicada (pai capelão), guardam domingos e dias santos, participam de festas mensais da igreja. Esse apego à tradição para o mundo capitalista faz perder um tempo precioso e redunda em prejuízo, por isso vivem constantemente apertados.

  3. Irmãos Gázio, Maximiano e Joveliano: filhos de caipira “atrasado”, andejo, caçador infatigável, perfeito conhecedor do meio físico circundante, familiarizado com os cantos mais recônditos do campo ou da mata. Os filhos perderam a atividade venatória, mas guardam certo amor pela coleta e a incapacidade para trabalho sistemático. Plantam uma rocinha mínima de feijão e milho, que dariam para se equilibrar nas condições antigas, quando não era requerido excedente de consumo para construção do orçamento familiar. São obrigados a ter um mínimo de dinheiro para necessidades de vestuário e complementação da dieta (sal, açúcar e café), sacrificam parte da colheita, vendem bananas na vila, trocam alguns ovos no bairro e vivem na mais completa miséria. Levam as bananas nas costas para vender na vila a 5 cruzeiros o cento, como não consegue transportar mais que dois centos por vez, légua e meia, cada viagem rendia no máximo 10 cruzeiros. O tempo e o trabalho despendidos renderiam mais, plicados à lavoura. No entanto, ambos são inadaptáveis às situações que requerem um mínimo de disciplina e racionalização da atividade.

Nota-se que para evitar a fome e a miséria o caipira foi levado a renunciar o estilo tradicional de vida e absorveu as tarefas econômicas, seja como indivíduo ou como família, para poder desse modo manter um equilíbrio ecológico mínimo que prepara o mesmo para uma integração em um novo sistema social aberto e amplo passando a ser um assalariado rural ou urbano.

13. Ajuste ecológico

A alteração do ritmo de trabalho provocaram alterações sensíveis no conhecimento e aproveitamento dos recursos naturais e interviram no equilíbrio ecológico modificando as relações do grupo com o meio.

O caipira tinha uma estreita ligação das suas representações religiosas com a vida agrícola, a caça, a pesca e a coleta, e ambas com a literatura oral. Basta observar as práticas de magia simpática, para obter êxito na colheita e na caça, para afastar ou curar males – numa mistura de reza, mezinha, talismã, onde a erva do campo se associa ao pêlo de bicho e à jaculatória, onde o bentinho se prende ao mesmo fio que o dente de quati ou a unha de gato.

Magia, medicina simpática, invocação divina, exploração da fauna e da flora, conhecimentos agrícolas fundem-se deste modo num sistema que abrange, na mesma continuidade, o campo, a mata, a semente, o ar, o bicho, a água e o próprio céu. Regido pela economia de subsistência e encerrando num quadro de agrupamentos vicinais, o caipira aparece como segmento de um vasto meio, ao mesmo tempo natural, social e sobrenatural.

Esta familiaridade do homem com a Natureza vai sendo atenuada, à medida que os recursos técnicos começam a fazer parte da sua rotina. O meio artificial, elaborado pela cultura capitalista destrói as afinidades entre homem e animal e entre homem e vegetal. Mas em compensação dá lugar à iniciativa criadora e a formas associativas mais ricas, abrindo caminho a civilização que é a humanização.

O equilíbrio ecológico e social do caipira se estabeleceu segundo a disponibilidade de caça, pesca, coleta e qualidade da terra, quando um determinado meio se exauria ele corrigia esse desequilíbrio recorrendo a mobilidade. Atualmente a mobilidade se limita pelo sistema de propriedade e pela densidade demográfica.

Nesta etapa de expansão das relações sócio-comerciais surgem as vendas nos bairros, que eram lojas onde se podiam comprar de tudo um pouco, secos e molhados, fazendas, armarinhos e ferragens. Seus proprietários, geralmente sírios, passaram pela faze de mascates, vendeiros de bairros, lojistas da vila e hoje comerciantes em cidades maiores.

14. Técnicas, usos e crenças

Antigamente, a dimensão lúdica era uma das vigas da cultura caipira, favorecida pelo lazer e a vida social fechada. Hoje, ela vai sendo obliterada pelo ritmo de trabalho, a apertura de uma economia dependente e a diminuição dos incentivos de outrora.

Nota-se a diminuição da indústria doméstica, não se vê mais as gamelas de raiz de figueira, as vasilhas de porunga, os potes de barro, as colheres de pau, chapéus e peneiras de palha. Foram substituídos pelas vasilhas de folha-de-flandres, ferro, ágata, alumínio, louças, plásticos e tecidos sintéticos agora tudo ou quase tudo é comprado. Passa a existir então a necessidade de compra criando um certo prestígio social, ao que tem acesso e desenvolve melhor as novas tecnologias ofertadas no mundo capitalista.

Não se encontra mais os monjolos d´água, prensas e pilões de pé usados na fabricação de farinha de mandioca, limpeza do arroz e quebra do milho.

O abastecimento regular de carne de vaca fez desaparecer a necessidade de caça, atrofiando a tecnologia venatória. (voltada a caça)

Um exemplo forte é o fumo, antes cultivado na horta, colhido, seco e armazenado para o gasto. O caipira, além de desprezar o fumo de rolo vendido nas vendas, passou a preferir os cigarros de fábrica. Com isso vemos além da substituição do traço cultural, não apenas pela mudança do ritmo de trabalho e perda de habilidade técnica, mas também por influxo da relativa importância conferida pela adoção do novo traço. Elemento que agora denota um certo prestígio social.

Com isso também se perde informações no domínio misto da terapêutica nas bases mágico-religiosas. As receitas de medicina caseira, tais como:

  • Sedativo para tosse: xarope de flor de abacate.

  • Antiofídico: pimenta cumari

  • Purgativo: raiz-preta

  • Cólicas e fraqueza do estômago: casca de anta

  • Feridas e hemorragias: barbatimão

  • Asma e ataques: perobinha

Também encontrava-se quatro níveis de terapêutica caipira, vinculada a dependência ecológica:

  • Benzedores e benzedeiras: usavam remédios vegetais, rezas voltadas não só à saúde mas a vários problemas da vida cotidiana. Por exemplo necessidade de chuva ou de estiagem.

  • Curadores: curas milagrosas feitas com reza e água benta do rio. Não aceitavam dinheiro mas presentes em espécie.

  • Farmacêutico: na falta do médico atendia os chamados, indicava remédios, aplicava injeções e conforme o caso encaminhava a um outro centro maior.

  • Santa Casa: última instância terapêutica.

Geralmente misturavam-se os 4 níveis de terapia e na realidade nunca se sabia ao certo a validade do ato de cada um.

15. Posição e relações sociais

Inicialmente não existia diferenciação de papéis nos critérios para definir posição social do caipira paulista. A incorporação à economia capitalista altera essa estrutura tradicional e possibilita o aparecimento do elemento assalariado (operário industrial, pedreiro, comerciante, carpinteiro, motorista, funcionário público, mascate, comerciário, mecânico, tintureiro) perante o caipira resistente (lavradores) que não abandonaram a agricultura e nem sua área de origem.

Com a vinda do caipira para os grandes centros, os fazendeiros latifundiários ficaram sem mão-de-obra e a parceria passou a representar estabilidade no campo, colocando o caipira entre a posição de proprietário, posseiro ou assalariado agrícola, parecendo, muitas vezes para ele como uma única solução de permanência no campo.

Nota-se a relativa explosão da sociabilidade concentrada dos velhos grupos vicinais, dando lugar a relações constantes com outros bairros, com a vila, não raro com as cidades, e portanto, as novas e mais amplas formas de interação e experiência social.

16. Representações mentais

A essa nova condição econômica, definindo níveis sociais diferenciados, devem por certo corresponder traços de mentalidade e afetividade. Averiguando essas informações nota-se junto ao caipira um certo sentimento saudosista e transfigurador, uma verdadeira utopia retrospectiva, referida principalmente às condições de vida e relações humanas outrora vividas, retratadas em 3 tópicos: abundância, solidariedade e sabedoria.

Era fato alguns comentários entre os mais velhos e os mais moços que tiveram influência daqueles que viveram nessa época:

  • No tempo de Dante ou dos antigo era o próprio reino da fartura.

  • Medida para semear não era o alqueire, mas o dedal cheio de arroz que dava produção abundante pois era imensa a força da terra.

  • As colheitas eram tão grandes que nem se colhia tudo, deixava-se o milho no pé para alimentar os porcos e se esvaziava os paióis jogando fora o alimento no pasto par colocar a nova colheita.

  • Todos ajudavam por amor a Deus e ninguém passava aperto, aliás o povo passava metade do ano trabalhando e a outra metade caçando no mato.

  • Ninguém trabalhava alugado

  • Não havia aforante e nem colônio, era tempo das posse e todos tinham a sua terra.

  • Mas vieram os fazendeiros ricos e comprava barato as terras dos cuitadinhos, quando não tiravam eles a pau e a tiro.

  • Havia temor e respeito, os filhos obedeciam os pais, os moços aos velhos, os afilhados aos padrinhos e a todos a lei de Deus.

  • Era tempo dos padres santos, casavam e batizavam de graça, ensinava a rezar. O contrário dos padres de agora, gananciosos que fazem “roça” na igreja.

  • Hoje os filhos estuda muito, mas há 3 assuntos que ninguém dá volta: gente velha ficar moça, fazer o tempo voltar pra trás, dar força nova a terra que cada vez é mais fraca.

17. As formas de persistência

As conseqüências da incorporação da economia capitalista na vida do caipira paulista, são:

  • aumento da dependência econômica que o condiciona a novo ritmo de trabalho

  • reorganização ecológica, que transforma as relações com o meio e abre caminho para novos ajustes

  • alteração no equipamento material

  • alteração no sistema de crenças e valores

Com isso aparecem novos papéis e posições sociais, configurando o parceiro como categoria econômica e tipo humano. Resultando em novos traços da personalidade, onde destaca-se certos comportamentos e representações denotadoras de tensão psíquica.

Todas as vezes que os indivíduos e os grupos se encontram em presença de novos valores, propostos ao seu comportamento e à sua concepção do mundo, podem ocorrer 3 soluções:

  • os valores são rejeitados e os antigos mantidos na íntegra

  • os valores são aceitos em bloco e os antigos rejeitados

  • os valores antigos se combinam com os novos em proporções variáveis

Com isso teremos as seguintes conseqüências:

  • enquistamento: formação de um núcleo isolado

  • desorganização

  • aculturação. Mistura de culturas

A orientação do processo depende de uma série de fatores, tais como:

  • Tamanho do grupo

  • Duração e intensidade dos contatos

  • Utilidade dos traços propostos

  • ritmo que se dá a incorporação dos traços

Aspectos para discussão sobre o meio de vida do caipira ligados diretamente ao seu aspecto econômico, fatores de preservação grupal que resistem ao impacto da urbanização:

  1. Apego do caipira as forma de parceria, chamadas compensadoras, representam uma tentativa de prolongar ou recriar a posição social de sitiante. O parceiro reluta pela perda da sua autonomia. Apegar-se a parceria significa preservar o próprio respeito, o conceito social e a possibilidade de manter a tradição da cultura.

  2. Insegurança da ocupação da terra leva a mudança de área, vai e vem de camaradas, colonos e parceiros. Isso implica, num ângulo sociológico, como uma preservação da cultura e da autonomia, onde buscam condições mais compatíveis com seus desejos de independência e conseqüentemente de preservação da cultura.

  3. Bloco familiar – determinavam as relações básicas, tais como , o mutirão, relações de vizinhança que dão assistência uns aos outros independente dos vínculos familiares. A mudança dos parceiros teria uma tendência a ficar próximo dos parentes para facilitar a ajuda mútua.

  4. Práticas de solidariedade da vizinhança integrando famílias ao grupo. Destaca-se a oferta de alimentos e obtenção de recursos para sobrevivência dando continuidade a preservação da cultura.

  5. Bairros – preservam-se relações e práticas no âmbito da vizinhança. Festas religiosas reúnem vários bairros mantendo a tradição e os bairros emprestam pessoas afamadas para outros para desenvolver práticas culturais que mantém a tradição: farinheiro, capelão, curador...

Conclusão

A industrialização, a diferenciação agrícola, a extensão do crédito, a abertura do mercado interno ocasionaram uma nova e mais profunda revolução na estrutura social de São Paulo. Graças aos recursos modernos de comunicação, ao aumento da densidade demográfica e à generalização das necessidades complementares, acham-se agora frente a frente homens do campo e da cidade, sitiantes e fazendeiros, assalariados agrícolas e operários – bruscamente reaproximados o espaço geográfico e social, participando de um universo que desvenda dolorosamente as discrepâncias econômicas e culturais. Nesse diálogo, em que se empenham todas as vozes, a mais fraca e menos ouvida é certamente a do caipira que permanece no seu torrão.

Em momentos como o nosso em que vemos a possibilidade de ação sobre a Natureza e a Sociedade aumentarem em número e eficiência, podemos realmente compreender, segundo Marx, que a

“ cidade resulta da concentração de população, dos instrumentos de produção, do capital, dos gozos, das necessidades, enquanto o campo mostra justamente o caso contrário, o isolamento e a separação. A oposição entre campo e cidade só pode existir no quadro da propriedade privada. É a expressão mais grosseira da subordinação do indivíduo à divisão do trabalho e a uma determinada atividade que lhe é imposta. Subordinação que faz de um, um animal limitado da cidade; de outro, um animal limitado do campo, reproduzindo cada dia o conflito dos seus interesses.”

Parte Complementar

  • Família caipira – patriarcal

  • Escolha do cônjuge – casamento é necessário para melhoria das condições de trabalho e de vida sexual, já que para os solteiros é proscrito celibato. Os filhos homens assumem iniciativa econômica na falta do pai, maior número de descendentes maior força para o trabalho. Devido a grande preconceito racial a cor pode ser requisito exigido.

  • Testes para reconhecer bom partido realizado pelo pai da noiva:

    • Primeiro o noivo não podia ser parente da noiva

    • Perguntas do padre:

      • Quando quebrar um cabo de enxada onde você arruma outro? Se ele respondesse vou no mato cortar, o padre dizia: onde já se viu perder um dia de trabalho por causa de um cabo de enxada? Você deve ter prontos em casa uns três ou quatro para o dia que precisar.

      • Quantas penas tem uma galinha? A resposta devia ser: As mesmas do homem: fome, sede e morte.

      • Quantos botões tem o casaco de Jesus? A resposta devia ser: Três: Fé, esperança e caridade.

    • Perguntas do pai da noiva:

      • Você sabe cortar embiruçu no mato?

      • Você sabe jogar o pau? Amarrava-se um posição vertical ao meio de uma corda bem esticada, desferindo um forte golpe na sua extremidade superior que imprimia um movimento forte de enrolar e desenrolar. O candidato devia manter-se bem ao alcance, sem arredar, executando os movimentos necessários para não ser atingido. Saindo-se bem o sogro via que era capaz de defender-se , que era esperto e dava-lhe a filha em casamento.

  • Corte e casamento – Antes era inexistente nas zonas rurais, não era admitido em hipótese alguma o namoro, tolerado hoje dentro de certo recato. Começa pelo “zóio” e muitas vezes passa daí para o noivado e casamento. Nos encontros ocasionais os jovens conversam e mantém distância. Nos bailes muitos pais não permitem a participação de suas filhas e quando obtêm essa permissão, elas não devem conversar com o companheiro. Freqüentar a casa da namorada é assunto sério, na fase de noivado os noivos não se tocam, mal se olham e quase não trocam palavras. O noivado dura 1 ano, para os pais mais severos o prazo é encurtado para meses, pois devido a situação de isolamento, os pais temem na antecipação dos direitos conjugais.

  • Vida conjugal e posição dos sexos – levando em conta os fatores psíquicos e sociais, aparentemente supõe-se que constituem ajustamento satisfatório, tanto para o homem quanto para a mulher. A mulher visa estabilidade e segurança apesar da vida de pena e sacrifício, compete todo o trabalho doméstico, fazer roupas, pilar cereais, fazer farinha, todas as atribuições culinárias, e ainda labutar ao lado do marido. O homem compete o trabalho da roça, para ele o casamento só traz vantagens havendo permissão de até algumas transgressões de caráter sexual. Nas viagens a vila, quando se tem apenas um cavalo, o marido vai montado e ela atrás carregando o filho menor. A formação de uniões novas e livres e aprovadas pela sociedade podem contribuir, segundo a tradição caipira, para a correção de desequilíbrios sócios culturais.

  • Nascimento e nome – A fecundidade das mulheres é grande, mortalidade infantil também grande, defende-se a idéia de que a lida agrícola requer braços e quanto maior uma família melhor poderá equilibrar-se a despeito do ônus representado pela infância. Os nomes dados são geralmente tradicionais: Antônio, João, José, geralmente vindo do padroeiro ou devoção local. Com a influência dos escoceses, irlandeses, alemães, ingleses e escandinavos os nomes recebem influências lingüísticas lembrados em: Enes que é “filho de João”, Antunes “filho de Antônio”, Pires “filho de Pedro”, etc... Geralmente se tinha dois nomes, um chamado de nome de papel usado para contratos, casamentos e assuntos legais e outro chamado de nome uso corrente: Nhô Quim – Joaquim Batista de Quevedo, Nhô Roque – Roque Antônio da Rocha, Roque Lameu – Roque Antônio da Rocha (bisavô Bartolomeu da Rocha – Berto Lameu).

  • Batizado e compadresco – passado o sétimo dia o recém-nascido é levado à luz do sol e é batizado com no máximo 15 a 20 dias. O batizado é um reconhecimento social e dando lugar ao estabelecimento de um dos mais importantes vínculos da tradição caipira que é o compadresco e subseqüente compadrio. Geralmente escolhem-se os avós, em seguida os tios para batizarem os primeiros filhos. Os padrinhos são em número de 3, 2 testemunhas – a madrinha de apresentar que carrega a criança. Os 3 são chamados de padrinhos e igualmente compadres dos pais. As obrigações do padrinhos são: dar a roupa do batizado; pagar a taxa da igreja, conduzir o batizando até a Vila, ida e volta; oferecer pinga ou cerveja ao pai, que nem sempre comparece. A mãe não comparece devido estar de resguardo (40 dias), a ausência do pai significa a confiança e entrega total. Após o batizado o tratamento é de compadre e comadre. Isso vincula uma vida social mais intensa, uma relação afetiva virtualmente contida, criando a possibilidade ou disposição para intercâmbios mais intensos de prestação de serviços e assistência mútua.

  • Pais e filhos – Educação – Os filhos se dirigiam aos pais de olhos baixos e devia obediência a vida toda. Antigamente os pais governavam os filhos pelo olhar e não havia necessidade de brutalidade. Havia o “Dia do ajuste de contas” era o sábado de aleluia onde todas as crianças que reinavam levavam umas sapecadas com varas untadas. Usavam-se o tratamento de pai e mãe e mecê – vossa mercê. Os filhos pediam a “benção” e os pais respondiam “louvado”. Atualmente castigam-se os filhos com severidade, e a tarefa cabe às mães; depois aos pais usando relhos, varas ou correias. As meninas apanham até o casamento e os meninos até começarem a ajudar na lavoura. A educação sexual é espontânea, meninos e meninas aprendem o essencial com os animais. A educação informal se deve ao acompanhamento dos filhos as atividades junto aos pais desde pequenos, observando técnicas agrícolas e artesanais, trato dos animais, conhecimentos empíricos de várias espécies, tradições, contos e código moral. No grupo estudado eram quase todos analfabetos pois não havia razão de deixar de auxiliar no trabalho para aprender a ler e escrever.

  • Instabilidade da estrutura familiar – O êxodo rural pode desorganizar violentamente as famílias de caipiras pobres. A urbanização do caipira que permanece na terra encontra na família um elemento de adaptação que permite aos indivíduos transitarem de um a outro sistema de padrões e manter a coesão necessária ao trabalho produtivo e à manutenção de um código moral.

Seu livro contém uma proposta política: recuperar a voz dos "marginalizados da colonização" e defender a inclusão do caipira num mundo que se moderniza por meio da reforma agrária.

Referências

  • AGUIAR, C.M., Educação, Cultura e Criança, Ed. Papirus, Campinas-SP, 1994.

  • AGUIAR, C.M., Educação, Natureza e Cultura Um Modo de Ensinar, USP, 1998.

  • CANDIDO, A., Parceiros do Rio Bonito, Ed. 34, 1989.

  • Fotos de Wosley Torquato.

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