Origem da plavra Caipira

Baseado na Grande Reportagem “Os Rumos da Música Caipira no Vale do Paraíba”, de Anderson Borba Ciola e Fábio Cecílio Alba, a origem da palavra caipira ainda é motivo de controvérsias. Segundo o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luiz Câmara Cascudo, a palavra significa “homem ou mulher que não mora em povoação, que não tem instrução ou trato social, que não sabe vestir-se ou apresentar-se em público. Habitante do interior, tímido e desajeitado...”. Robert W. Shirley, em seu livro “O fim de uma tradição”, critica a posição de Câmara Cascudo, dizendo que: “Esta definição em si mesma, revela a extensão da grande lacuna social entre os escritores urbanos e os camponeses, pois, de fato, o caipira tem uma cultura distintiva e elaborada, rica em seus próprios valores, organizações e tradições”. Já no Dicionário Aurélio é encontrada a seguinte definição: “Habitante do campo ou da roça, particularmente os de pouca instrução e de convívio e modos rústicos”. Cornélio Pires, jornalista e violeiro, em seu livro “Conversas ao pé do fogo” define a palavra caipira da seguinte forma: “Por mais que rebusque o étimo de caipira, nada tenho deduzido com firmeza. Caipira seria o aldeão; neste caso encontramos o tupi-guarani capiâbiguâara. Caipirismo é acanhamento, gesto de ocultar o rosto, neste caso temos a raiz ‘caí’, que quer dizer gesto de macaco ocultando o rosto. Capipiara, que quer dizer o que é do mato. Capiã, de dentro do mato, faz lembrar o capiau mineiro. Caapiára quer dizer lavrador e o caipira é sempre lavrador. Creio ser este último o mais aceitável, pois caipira quer dizer roceiro, isto é, lavrador...”.

25.3.11

UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO CAIPIRA AO SERTANEJO: CULTURA, MÚSICA E INDÚSTRIA CULTURAL/TCC

UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
DO CAIPIRA AO SERTANEJO: CULTURA, MÚSICA
E INDÚSTRIA CULTURAL
Projeto Experimental de Caráter Monográfico para obtenção do título de
Bacharel em Comunicação Social, com Habilitação em Publicidade e
Propaganda, apresentado à Banca Examinadora pelos alunos Ana Cecília
Del Mônaco Monteiro, Carlos Eduardo Fernandes e Marcelo Silva
Costa, sob orientação do Prof. Fábio Ricci.
Taubaté – SP
1998
ÍNDICE
Introdução
Capítulo 1 – Cultura
1.1 – O que é cultura
1.2 – Cultura brasileira
1.3 – Cultura popular
1.4 – Cultura caipira
1.4.1 – A origem da palavra caipira
1.4.2 – O que é música caipira
1.5 – Cultura sertaneja
1.5.1 – O que significa a palavra sertanejo
1.5.2 – O que é música sertaneja
Capítulo 2 – Indústria cultural
2.1 – O que é indústria cultural
2.2 – O que é cultura de massa
2.3 – Música sertaneja e indústria cultural
Capítulo 3 – Mercado
3.1 – O que é publicidade, propaganda e marketing
3.1.1 – Publicidade e propaganda
3.1.2 – Marketing
3.2 – Indústria da música
3.2.1 – Disco: um panorama do produto
3.2.2 – As condições comerciais de produção
3.2.3 – As condições industriais de produção
3.2.4 – As condições legais de produção
3.2.5 – O público consumidor
Conclusão
Anexo
Referências Bibliográficas
Introdução
No mundo moderno tudo acontece com enorme rapidez. É um
mundo em que a informação é o bem principal de um indivíduo, embora
este não consiga captar nem 1% de toda informação despejada pelos
meios de comunicação, através de revistas, jornais, TVs, Internet,
outdoors, rádios, etc.
A música é um veículo de informação que, além de conter as
idéias de seu compositor, então incluso toda sua tradição cultural,
também traz em si toda transformação imposta pela indústria que a
comercializa.
Atualmente, percebemos que o chamado “mundo” da música está
em maior evidência, pois nunca se consumiu tanto o produto música
como agora. O motivo? É o que veremos no decorrer dessa monografia.
O que podemos adiantar é que existe uma indústria por trás de tudo isso
e que, para ser consumida em grande escala, é necessário algumas
transformações em seu universo, de acordo com a necessidade de
mercado, buscando o ponto comum do mundo capitalista que é o lucro.
O que queremos atesta com isso? Queremos demonstrar que a
música, enquanto arte, está perdendo espaço. No caso específico desse
estudo, a música sertaneja vem se transformando cada vez mais e suas
raízes vem sendo esquecidas. Além do mais, a grande massa passa a ter
como referência essa nova música e todo universo contido nela, a qual
espelha um outro conceito de caipira e sertanejo que não condiz com as
raízes, que seriam: a temática das letras, a instrumentação, o vestuário, o
comportamento dos artistas como ídolos, entre outros aspectos. Para
algumas pessoas, esse estilo musical já é taxado como pop romântico.
Mas essa transformação não ocorreu da noite para o dia. Existiram
fases. A primeira delas teve início com a primeira gravação em disco
feita por Cornélio Pires, em 1929. Até então, a música era conhecida
como caipira. Hoje, a música caipira se resume às manifestações do povo
caipira, como a Folia de Reis, a Festa do Divino, ou seja, às tradições
folclóricas. Essa é uma das questões colocadas nessa obra. Então, qual a
verdadeira diferença entre música caipira e música sertaneja? Também
responderemos a essa colocação, além de analisarmos as diferentes
visões sobre o assunto. Se levarmos em consideração o fato de que a
música caipira não é a qual a dupla Tonico & Tinoco fazia, podemos
perceber que são décadas de transformações. Mas quem seria o povo
caipira? São perguntas e respostas encontradas no decorrer de nossas
pesquisas e leituras e desvendadas aqui.
Voltando, então, ao assunto música, a indústria conta com uma
série de fatores na produção de canção, do qual fazem parte produtores
descobridores de “talento”, gravadoras, projetos de marketing e todos os
meios de informação, constituindo assim uma indústria de
entretenimento cujo objetivo é vender um produto, no caso, a música.
Com esse processo em funcionamento, o sintoma que se percebe é a
transformação e simplificação da música com o intuito dela ser recebida
com mais facilidade pela massa. Com isso, a arte, a tradição, as raízes e a
própria cultura ficam em segundo plano.
Todo esse processo foi estudado e debatido, entre os autores dessa
monografia, orientador e artistas destacados no meio musical. As
discussões foram orientadas por pesquisa (fontes bibliográficas), que se
não é extensa, é suficiente para elucidar as questões levantadas. Como
base para o desenvolvimento desse assunto, academicamente, achamos
válido nos apoiar em uma Grande Reportagem desenvolvida no ano de
1997, pelos alunos Anderson Borba Ciola e Fábio Cecílio Alba, a qual
leva o título “Os rumos da música caipira no Vale do Paraíba”. Essa,
desenvolve capítulos referentes ao nosso propósito, mas de uma forma
menos apurada, em que resolvemos aprofundá-los, ampliando a
discussão sobre o assunto. Portanto, a Grande Reportagem citada foi
uma base constante e decisiva para a realização dessa monografia.
1.1 – O que é cultura
Para que possamos iniciar o desenvolvimento desse estudo, se faz
necessário entender nossa cultura e suas subdivisões. Assim, iniciaremos
com a apresentação do termo cultura, pois se tornará uma base para
compreendermos as subdivisões de tal assunto. Partiremos, pois, de
conceitos da Sociologia, Antropologia e Comunicação Social.
Existem várias definições para a palavra cultura. No Dicionário
Mirador, página 519, cultura é:
“Sociologia- Sistema de idéias, conhecimentos, técnicas e artefatos, de
padrões de comportamento e atitudes que caracterizam determinada sociedade.
Antropologia- Estado ou estágio de desenvolvimento cultural de um povo ou
período, caracterizado pelo conjunto de obras, instalações e objetos criados pelo
homem desse povo ou período. (Dicionário Mirador, l975, Ed. Melhoramentos, SP)
Roberto Muylaert, em seu livro Marketing Cultural e
Comunicação Dirigida (Muylaert, Roberto...) concebe o termo cultura
como:
“As atividades no campo da arte, da literatura, da música, do teatro, da
dança, ou qualquer outra que expresse uma forma de organização social, não só
como manifestação original de característica exclusiva de um determinado povo, mas
também de outros ,num intercâmbio permanente de experiências e realizações , isto
é, o conceito primitivo de cultura, regional e caracterizante, passa a ter um sentido
universal e pleno, pressuposto que leva a considerar um povo culturalmente
avançado “aquele que tem acesso” a conhecimento e a informação.”
A definição de Roberto Muylaert nos permite unir – intercambiar
– a cultura caipira com outras culturas. É um definição mais próxima de
nosso objeto de estudo que, além da cultura, ainda engloba indústria
cultural e mercado, como veremos no desenrolar dessa monografia.
Quanto as outras definições, daremos atenção ao aspecto
sociológico, analisando a realidade social a qual está submetido o
homem caipira, estudando seu modo de vida, seu trabalho e seus padrões
de comportamento. Com essa análise, conseguiremos verificar os atos
que caracterizam essa cultura e, assim, enxergar com clareza esse
universo. Remeteremos, também, ao aspecto antropológico da cultura
caipira, analisando suas fontes, suas características e seu
desenvolvimento cultural. Nessa análise, buscaremos conhecer o
ambiente e as matizes dessa cultura.
Em resumo, essas três definições servirão de base para nosso
estudo. Ampliaremos o intercâmbio de Muylaert no que esse estudo nos
permitir. Analisaremos as fontes da cultura caipira, suas características,
a produção musical, os padrões de comportamento do seu povo e o
resultado do intercâmbio dessa cultura com outras culturas. Esse
intercâmbio causa um choque. A própria necessidade do trabalhador
rural de se transformar em operário, com jornada de trabalho fixa,
proletário, contribui para que o folclore se dissolva na cidade. O
indivíduo agora é parte da massa; perdeu sua cultura de origem, e
quando tem um tempo livre escuta no rádio uma “dupla sertaneja”. Por
sua vez, a pessoa que nasceu na cidade ouve no rádio, ou em qualquer
outro meio a mesma “dupla sertaneja”. Não conhece a cultura caipira
original e a impressão que é construída sobre o meio rural no imaginário
urbano é completamente distorcida da realidade.
Como desdobramento que podemos indicar ainda, de forma a
tornar mais clara a definição de cultura, seria classificá-la como indica o
autor Luiz Gonzaga de Mello, no seguinte esquema:
CULTURA * erudita ou popular
* popular > urbana ou de massa (ou popularesca)
> rural ou folclórica
Portanto, segundo o esquema, seriam dois os pólos da cultura:
cultura erudita e cultura popular. Cultura oficial ou erudita
compreenderia tudo o que é aprendido nas escolas, nos templos das
grandes religiões, nas universidades, etc. Sua forma de difusão predileta
é a escrita, o formalismo; é possuidora de certa sacralidade. É a cultura
hegemônica, que corresponde à cosmovisão das classes dominantes de
cada região. Os produtos da cultura erudita, ou superior, como classifica
Teixeira Coelho, em seu livro “O que é indústria cultural”, são todos
aqueles canonizados pela crítica erudita, como as pinturas do
Renascimento, as composições de Beethoven, os romances “difíceis” de
Proust e Joyce, a arquitetura de Frank Loyd Wright e todos os seus
congêneres.
No que diz respeito a cultura popular surge, a partir da Revolução
industrial, esta nova divisão apresentada no esquema: cultura folclórica
(de aspectos rústicos) e cultura de massa (ou popularesca). Ecléa Bosi,
em seu livro “Cultura de Massa e Cultura Popular”, explica o surgimento
desta nova modalidade de cultura através da indústria cultural, a qual
discutiremos mais adiante, fenômeno igualmente originário da
industrialização:
“À medida que a indústria cultural substitui o folclore, ela procura dar a
seus produtos uma aura populista ou popularesca.(...) Começa, de fato, uma nova era
para cultura popular: claramente não-folclórica; abertamente organizada por
empresários da indústria do lazer; fortemente estruturada em função de um certo
público-massa; e necessariamente distinta das experiências da ‘alta cultura”.
Concluída a idéia geral de cultura e suas subdivisões,
demonstraremos as modalidades que dão seguimento ao nosso objeto de
estudo, sendo a primeira delas a cultura brasileira.
1.2 – Cultura Brasileira
Nesse tópico analisaremos a cultura de nosso país, rica em
tradições e costumes. Por conseqüência, sem característica única.
A cultura brasileira é diversa, como explica Alfredo Bosi:
“Não existe uma cultura homogênea, matriz dos nossos comportamentos
e dos nossos discursos. Ao contrário: a admissão do seu caráter plural é um passo
decisivo para compreendê-la como um “efeito de sentido”, resultado de um processo
de múltiplas interações e oposições no tempo e no espaço.” (Bosi, Alfredo. Cultura
Brasileira...)
São vários “Brasis” se intercambiando, como observa Darcy
Ribeiro: “É simplesmente espantoso que esses núcleos tão iguais e tão
diferentes se tenham mantido aglutinados numa só nação”. (Ribeiro,
Darcy. O Povo Brasileiro...)
O que os autores afirmam é que o povo brasileiro não é
determinado por nenhuma característica única, como já citado. E que
essa falta de homogeneidade não nos é necessariamente prejudicial. A
interação e intercambiação na pluralidade cultural do país é um processo
que insere novas características sobre culturas já estabelecidas. Mas,
muitas vezes, essa inserção acaba modificando o sentido, as intenções
originais de determinada cultura. Essa mudança ocorre quando a cultura
se vê em contato com a produção voltada ao consumo. Desse contato
surgem as mudanças amparadas na diluição e simplificação de valores.
Como sabemos, o Brasil é um país imenso. Não era de se esperar
que possuísse uma cultura única. Essa é uma característica natural mas
que, às vezes, produz aparência de caos. Esse caos, na verdade, não
existe e é, simplesmente, resultado do contato de uma determinada
cultura com a cultura de massa, conforme atesta Alfredo Bosi:
“O plural sustém-se e impõe-se de pleno direito, mas aquela impressão
de caos e nonsense ficará por conta do estilo de show alucinante montado por essa
gigantesca fábrica de sombras e reverberos chamada civilização de massa”.
Os ritmos das culturas no Brasil são diversos. Por um lado, temos
os meios de massa acelerando esse tempo visando o consumo, por outro,
temos a cultura popular, em que o tempo é cíclico e é vivido em áreas
rurais mais antigas, em pequenas cidades marginais, em algumas zonas
pobres, mas socialmente estáveis em cidades maiores. Essa distinção cria
uma corrente de representações, segundo Alfredo Bosi: na cultura de
massa “há uma perda de memória social generalizada” e na cultura
popular o seu fundamento “é o retorno de situações e atos que a
memória grupal reforça atribuindo-lhes valor”.
O Brasil, como país em desenvolvimento, apresenta tanto aspectos
de progresso tecnológico, representado pelos meios de propagação de
mensagens eletrônicas de longo alcance, quanto aspectos de precariedade
de seus recursos em vários setores sociais. Aliadas a este quadro estão as
diferenças sociais, a diversidade cultural e a grande extensão territorial.
Conclui-se a partir dessas características, que é muito difícil proteger e
preservar uma determinada cultura intacta, que não sofra influência do
intercâmbio constante com outros tipos de cultura.
Um exemplo interessante que esse autor relata em sua obra e a da
festa popular:
“Uma festa popular identifica-se com os festeiros e os convidados: está
neles, está entre eles (...). O distanciamento começa quando o turismo (ou na TV)
toma conta dessas práticas: a festa, exibida, mas não partilhada torna-se espetáculo”.
Nesse exato momento, a cultura de massa se apropria da cultura
popular, ocultando o seu teor original.
A cultura brasileira é simbolizada pela pluralidade que a
caracteriza. A cultura caipira intercambia-se com a cultura de massa.
Desse encontro surgem uma série de representações, que analisaremos
no decorrer dessa monografia.
Portanto, faz-se necessário caracterizar a cultura popular, que está
inserida na cultura brasileira.
1.3 – Cultura Popular
A cultura popular, conforme esquema apresentado no tópico 1.1,
corresponderia a toda cultura espontânea cultivada pelo povo, isto é,
ligada pela tradição oral, livre, profana, extravagante e coletiva, que era
fácil de ser identificada antes da explosão urbanística-industrial.
Atualmente, nos países industrializados e em desenvolvimento, a cultura
popular compreende não apenas a tradição e a literatura oral, mas
também a denominada cultura de massa, decorrente da propagação de
mensagens veiculadas pelos meios comunicação modernos. De forma
simplificada teríamos na cultura popular, uma parte predominantemente
urbana e outra predominantemente rural.
No meio rural, essa cultura popular é representada pelo folclore.
Ele estuda a vida popular, mas na vida civilizada, observa P. Saintynes.
Esse é seu objeto de estudo. O folclore se ocupa da sabedoria e da vida
populares, junto aos povos civilizados.
Câmara Cascudo diz que folclore é a mentalidade popular, e a
literatura oral é a sua expressão. Aponta como características básicas: a
antigüidade, a persistência, anonimato e oralidade. “A produção
folclórica é totalmente popular, mas nem toda produção popular é
folclórica. Suponhamos uma canção popular, que está em evidência na
mídia, pode ser considerada parte da cultura popular, mas não pode ser
considerada folclore.
Para podermos entender melhor o que vem a ser folclore, vamos
abrir um breve espaço, nesse momento. Carlos Rodrigues Brandão, em
seu livro “O que é Folclore”, afirma que:
“Muito antes de haver surgido o nome ‘folklore’, havia historiadores,
literatos, músicos eruditos, arqueólogos, antropólogos, antiquaristas, lingüistas,
sociólogos, outros especialistas e alguns curiosos estudando os costumes e as
tradições populares, a que mais tarde se deu o nome de folclore”.
Segundo a Grande Enciclopédia Larousse Cultural, a palavra
folclore vem do inglês folklore, de folk, povo + lore, conhecimento
ensinamento.
Como definição da palavra, Brandão afirma:
“Na cabeça de alguns, folclore é tudo o que o homem do povo faz e
reproduz como tradição. Na de outros, é só uma pequena parte das tradições
populares. Na cabeça de uns, o domínio do que é folclore é tão grande quanto o do
que é cultura. Na de outros, por isso mesmo folclore não existe e é melhor chamar de
cultura, cultura popular o que alguns chamam folclore. E, de fato, para algumas
pessoas as duas palavras são sinônimas e podem suceder-se sem problemas em um
mesmo parágrafo”.
Diante da afirmação da relação sinônima existente entre folclore e
a cultura popular, o autor procura evidenciar o seguinte:
“Para outros pesquisadores do assunto há diferenças importantes entre
folclore e cultura popular. Vizinhos, eles não são iguais, e sob certos aspectos podem
ser até opostos. Não são poucas as pessoas que acreditam que os dois nomes servem
às mesmas realidades e, apenas folclore é o nome mais ‘conservador’ daquilo de que
cultura popular é o nome mais progressista”.
Dentro do assunto folclore podemos entender o que desejamos
demonstrar mais adiante nesse estudo. Para consolidar tal afirmação,
Brandão observa que são raros os “modismos” de folclore.
“Ao contrário do que acontece com a cultura erudita ou popularizada
através de meios de comunicação de massa, onde os produtos culturais exibem
padrões de curta duração, os do folclore, mesmo quando renovados por necessidade
de adaptação a novos contextos, ou pela iniciativa criadora de seus praticantes,
preservam por muito tempo os mesmos elementos de uma mesma estrutura”.
Portanto, folclore são as tradições do povo, as quais se encontrarão
resistentes a Indústria Cultural. É a arte, a devoção, a tradição ou o ritual.
Elementos os quais não interessam à Indústria Cultural, pois não tem um
valor comercial e não faz parte da chamada cultura popular urbana.
A cultura popular urbana é a cultura de massa. Ela decorre da
moderna rede de comunicação eletrônica e atinge simultaneamente
milhões de pessoas. Essa forma de comunicação veio transformar-nos a
todos em ávidos consumidores não só de bens duráveis, mas também de
pensamentos e ideologias.
A música caipira é um veículo que reflete tanto a cultura popular
urbana quanto rural em que seus autores estão inseridos. A princípio
deveria conter somente a faceta rural. Mas o processo de intercâmbio
entre o rural e o urbano aliado à avidez da massificação de seus
elementos característicos criaram uma nova simbologia que mostra ao
grande público uma interpretação equivocada dos hábitos e da cultura do
homem do campo. Conforme atesta Alfredo Bosi, dizendo que a
montagem de bens simbólicos em ritmo industrial acelera suas
representações o que decorre na perda de memória social generalizada
que lesa o seu consumidor inerme.
1.4 – Cultura Caipira
Nesse tópico demonstraremos alguns tópicos importantes para o
entendimento do que venha a ser cultura caipira. Analisaremos a origem
da palavra caipira, os vários significados dessa palavra, além de
depoimentos de figuras importantes no meio artístico desse universo
caipira. Também responderemos às diferenças existentes entre música
caipira e música sertaneja.
1.4.1 – A origem da palavra caipira
Baseado na Grande Reportagem “Os Rumos da Música Caipira no
Vale do Paraíba”, de Anderson Borba Ciola e Fábio Cecílio Alba, a
origem da palavra caipira ainda é motivo de controvérsias. Segundo o
Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luiz Câmara Cascudo, a palavra
significa “homem ou mulher que não mora em povoação, que não tem
instrução ou trato social, que não sabe vestir-se ou apresentar-se em
público. Habitante do interior, tímido e desajeitado...”. Robert W.
Shirley, em seu livro “O fim de uma tradição”, critica a posição de
Câmara Cascudo, dizendo que:
“Esta definição em si mesma, revela a extensão da grande lacuna social
entre os escritores urbanos e os camponeses, pois, de fato, o caipira tem uma cultura
distintiva e elaborada, rica em seus próprios valores, organizações e tradições”.
Já no Dicionário Aurélio é encontrada a seguinte definição:
“Habitante do campo ou da roça, particularmente os de pouca instrução
e de convívio e modos rústicos”.
Cornélio Pires, jornalista e violeiro, em seu livro “Conversas ao pé
do fogo” define a palavra caipira da seguinte forma:
“Por mais que rebusque o étimo de caipira, nada tenho deduzido com
firmeza. Caipira seria o aldeão; neste caso encontramos o tupi-guarani capiâbiguâara.
Caipirismo é acanhamento, gesto de ocultar o rosto, neste caso temos a raiz ‘caí’, que
quer dizer gesto de macaco ocultando o rosto. Capipiara, que quer dizer o que é do
mato. Capiã, de dentro do mato, faz lembrar o capiau mineiro. Caapiára quer dizer
lavrador e o caipira é sempre lavrador. Creio ser este último o mais aceitável, pois
caipira quer dizer roceiro, isto é, lavrador...”.
De uma forma geral, as definições acima demonstram o quanto é
variada a idéia do que é “caipira”. Dependendo do ponto de vista do
autor, encontra-se já arraigado em seu repertório o tom pejorativo, ou
não. Câmara Cascudo faz uma definição partindo de um ponto de vista
urbano, de quem não vive essa realidade rural, e julga a realidade
urbana melhor. É uma visão “urbanocentrista”.
A crítica feita por Robert W. Shirley a essa visão
“urbanocentrista”, demonstra que existe uma visão estereotipada por
parte daqueles que nascem na cidade. O interessante na definição de
Shirley é reconhecer a distinção cultural do povo brasileiro. Quando ele
diz “cultura distintiva” nota-se sua percepção em relação à pluralidade
cultural comentada por Alfredo Bosi. O caipira tem sua cultura, tradição,
crenças, enfim, é rico no que diz respeito à manifestação de seus anseios
e modo de vida. Shirley enxergou isso. Em sua colocação, entende-se
que o caipira tem seus próprios valores, os quais não são melhores nem
piores, e sim reflexos humanos em seu habitat. O preconceito existe. A
própria definição do Dicionário Aurélio (uma das principais fontes de
consulta do nosso povo) é preconceituosa quando diz que caipira é
“particularmente de pouca instrução e de convívio e modos rústicos”.
Essa definição cria na cabeça das pessoas o estereótipo de uma figura
portadora de boçalidade e falta de modos, quase insinuando que a falta
de instrução escolar seja sinônimo de falta de educação.
Inezita Barroso, cantora e apresentadora do programa “Viola
Minha Viola”, explica e compara o preconceito em relação à definição
de caipira:
“Como o caipira ficou um termo pejorativo, durante muito tempo todo
mundo tinha vergonha de ser caipira. Por quê? Porque não era realmente o
significado da palavra, que é o homem do interior. Então, o caipira era uma mulher
mal vestida, era um cara doente, sem dente, descalço”.
Cornélio Pires visualiza o caipira como alguém situado em uma
região e influenciado pelas características deste modo de vida. Vincula o
étimo da palavra caipira ao trabalho, quando diz que o caipira é sempre
lavrador e com isso cria uma imagem que condiz com o real.
Muito do preconceito que hoje existe em relação a ligações com a
palavra caipira surgiu das primeiras obras que retratavam o povo
brasileiro, mais especificamente o paulista. Autores como Saint-Hilaire -
em Viagem à Província de São Paulo - e Monteiro Lobato - em Urupês, e
com o personagem Jeca Tatu - criaram a idéia de que o caipira era um
ser “à margem”, como escreve Carlos Rodrigues Brandão em “Os
caipiras de São Paulo”. Em “Viagem à Província de São Paulo”, Saint-
Hilaire diz que os caipiras eram
“(...) homens embrutecidos pela ignorância, pela preguiça, pela falta de
convivência com seus semelhantes e, talvez, por excessos venéreos primários, não
pensam: vegetam como árvores, como as ervas do campo.”
Em Urupês, Monteiro Lobato corrobora as afirmações de Saint-
Hilaire, dizendo que “O caboclo é uma quantidade negativa”. Por sua
vez, Carlos Rodrigues Brandão, em “Os caipiras de São Paulo”, explica
que alguns desses caipiras paulistas são:
“(...) proprietários de terra e, estáveis, vivem uma vida de trabalho e
cultura em bairros rurais; outros ‘vivem do trabalho em terra alheia’, ora como
lavradores parceiros, ora como agregados, ‘camaradas’”.
Era um povo com a sua relação de poder de trabalho ligada ao
“tradicionalismo agrário”, ao contrário da “política mercantilista” dos
senhores de terra.
Todas essas definições explicam a cultura caipira. O caipira que
estudamos é um ser rico de tradições, crenças, cultura. Está inserido na
pluralidade da cultura brasileira e se relaciona com outras culturas. Está
longe de ser o caipira descrito por Monteiro Lobato, Saint-Hilaire e
Câmara Cascudo. Mesmo assim, esse é o estereótipo que hoje sobrevive.
Inezita Barroso, vai além: “Falar caipira é pecado. Chamar de caipira
é pecado”. O violeiro Almir Sater reforça essa afirmação dizendo
“alguém falava: ‘o cara lá é caipira’. Esse respondia: ‘eu não sou
caipira, não’. Isso era um preconceito”. Chamar alguém de caipira, na
maioria das vezes, é uma ofensa. Isso vem a confirmar que, mesmo não
condizendo com a realidade, o estereótipo de caipira é negativo.
1.4.2 – O que é música caipira
Nosso objetivo nesse item é explicar o que é música caipira,
quando surgiu e como ela é vista hoje em dia.
Se entendermos que caipira é o cidadão que vive no campo,
cultiva a terra e tem sua própria cultura, como definido no item 1.4.1, a
música que representa seus valores e seu cotidiano deve estar inserida
em seu ambiente. Deveria, então, ser uma música caipira que contasse
sobre sua gente, sua vida e seu trabalho.
Há uma imensa controvérsia que gira em torno da classificação do
que vem a ser música caipira. Ela se justifica por não existir uma
classificação clara desse estilo musical. O que alguns chamam de música
caipira, outros chamam de música sertaneja e outros, ainda, de música
sertaneja romântica. Não há uma definição e sim várias observações:
Anderson Borba Ciola e Fabio Cecílio Alba em “Os rumos da
música caipira no Vale do Paraíba” escrevem:
“Originária do meio rural, a música caipira tinha , inicialmente, uma
temática de letra restrita ao homem do campo. Ela é geralmente cantada a duas vozes
e acompanhada por violas e violões e por isso também é conhecida como ‘moda de
viola’.
Durante a época colonial, as letras falavam de lendas indígenas e canções
religiosas portuguesas, mas com o passar do tempo, começou a retratar também
histórias de desbravadores.
Na década de 20, a ‘moda de viola’ chegou às rádios, graças a insistência
do jornalista Cornélio Pires, que financiou gravações de duplas sertanejas. Antes da
era do rádio, as músicas caipiras eram cantadas por várias vozes nas ruas, mas como
era muito difícil levar um grande número de pessoas ao estúdio de gravação, a
música caipira passou a ser cantada apenas por duas vozes, o que posteriormente se
tornaria sua principal característica”.
Essas definições apresentadas demonstram a dificuldade de
classificação desse estilo musical. Os autores dizem que Cornélio Pires
financiou gravações de duplas sertanejas. Na frase seguinte utilizam o
termo música caipira. Essa indefinição demonstra a dificuldade de
interpretação desse estilo.
Os músicos também tem suas definições e muitas delas se
contrastam. Paulo Freire, violeiro, diz que: “duplas como Leandro e
Leonardo não têm nada a ver com a música sertaneja mais tradicional.
É um universo conpletamente diferente. Só tem uma postura rural que
nem rural é”. Roberto Corrêa, violeiro, concorda dizendo que “o título é
mal-empregado. A música dessas duplas é romântica e já está bem
urbanizada”. De acordo com o também violeiro Almir Sater:
“Tudo é questão de mercado. A música romântica sempre esteve em 1º
lugar nas paradas de sucesso em qualquer lugar do mundo. Não importa a forma. Às
vezes é um samba romântico cantado para o povão, cantado para as massas, ás vezes
é uma música de origem do campo que é modificada por um jeito mais consumista,
mais romântico”.
Já para Inezita Barroso:
“Sertanejo é um tema essencialmente nordestino que a gente aprendeu
com a vinda do Luiz Gonzaga para o Sul. Então, está certo que ele chame de
sertanejo a música rural nordestina, porque é um sertão. Aqui (em São Paulo) não se
fala ‘vou para o sertão de São José, vou para o sertão de Taubaté. Então você fala
‘vou para o interior, eu vou para a roça, eu vou para a fazenda, no máximo. Então,
não se aplica. Mas, isso aconteceu porque o caipira virou um termo pejorativo”.
Dos músicos, Renato Teixeira é um dos que acredita que a música
caipira não perdeu sua identidade:
“Acho que nada é mais caipira, no sentido bom da palavra, do que o
Chitãozinho & Xororó e o Leandro & Leonardo, enfim esse pessoal todo. São
caipiras modernos, bem-sucedidos e muito humildes. Eles representam o sonho do
brasileiro do campo”.
Essas opiniões são muito importantes, pois demonstram a visão de
quem está dentro do mercado e tem contato com esse estilo musical.
Paulo Freire e Roberto Corrêa são categóricos em afirmar que a música
praticada por duplas como Leandro & Leonardo são músicas
urbanizadas, com nenhuma ligação com a música original. É
interessante, pois eles dizem que essas duplas fazem música romântica e
têm uma postura rural que nem rural é e isso nos remete a opinião de
Almir Sater que diz que essa música sertaneja atual é uma música de
origem do campo modificada para atender aos padrões do consumo.
Quando ele diz que é tudo questão de mercado, demonstra que a música
sertaneja de hoje não tem nada a ver com a antiga por razões de
consumo, já que hoje a música sertaneja é consumida por pessoas que
moram no interior e por pessoas que moram na cidade. É consumida por
toda a massa, conforme veremos no capítulo adiante que explicará
indústria cultural e mercado. A opinião de Inezita Barroso é uma das
mais corretas quando separa sertanejo de caipira por regiões e quando
diz que a adoção da denominação de sertanejo surgiu, pois caipira virou
um termo pejorativo, conforme explicamos no capítulo anterior. A
opinião de Renato Teixeira nos mostra que nem todos atribuem a música
sertaneja atual a falta de identidade com a antiga e sim evolução. Ele
acredita que esses são os verdadeiros caipiras atuais.
Todas essas definições demonstram vários aspectos da música
caipira. Os músicos desgostam essa nova música sertaneja por ela usar
elementos da música original e no fim apresentar um resultado que não
condiz com a realidade do homem do campo. É um ponto de vista que
concordamos, pois a imagem que é passada através de uma canção
sertaneja não condiz com o original, muitas vezes se distanciando até na
parte musical. Isso é reflexo da urbanização desse estilo e de sua
inserção na indústria cultural. Waldenyr Caldas estudou essa ligação em
seu livro “Acorde na Aurora: música sertaneja e indústria cultural” e no
livro “O que é música sertaneja”. As definições acerca de indústria
cultural serão verificadas nos capítulos a frente. O que nos interessa
agora são suas verificações e diferenciações de música caipira e música
sertaneja. Caldas entende que música caipira é aquela canção anônima e
tem a ver com folclore, enquanto por música sertaneja, ele classifica
aquela que já é produzida no meio urbano-industrial. Desenvolve uma
série de características para ambas as definições. Primeiro veremos as
características de música caipira:
1) “Possui a função de facilitar as relações sociais entre a comunidade
possibilitando maior sociabilidade entre os caipiras. Note-se ainda que,
nas sociedades rurais em desagregação, essa música já não tem mais essa
função.
2) O anonimato da composição. Na música caipira quase nunca se sabe
quem fez a letra e a música. Isso, no entanto, é produto do amadorismo
presente no folclore, que determina sendo prejudicial ao artista.
3) A criação coletiva da canção. Este é um acontecimento muito comum
na música caipira. Das festas populares, onde se reúnem centenas e às
vezes até milhares de pessoas, o artista popular e seus parceiros criam em
cima do acontecimento elaborando letra e melodia reportando-se à
festividade em si, ou apenas usando-a como tema para dar vazão à sua
criatividade, à sua inspiração. Existe hoje um número muito grande dessa
modalidade musical de criação coletiva, mas apenas a festa do Divino, a
dança de São Gonçalo ou a Folia de Reis, por exemplo, são citadas. Na
verdade, o nome ou os nomes dos compositores terminam sendo
substituídos pelo da cidade ou povoado onde foi criada a canção. É por
isso que ouvimos falar da ‘Cana-verde de Piracicaba’, do ‘Recortado de
Olímpia’, do ‘Cururu de Tietê’ e assim por diante. O nome ou os nomes
dos seus compositores perderam-se no tempo por falta de registro. Assim,
ela incorpora-se ao folclore da região.
4) Na música caipira há sempre o acompanhamento vocal. Isto porque
os rituais religiosos e as músicas de trabalho e de lazer do canto rural
profano guardam tradição da presença das cantorias coletivas. Além
disso, essa música é produto das relações sociais entre as pessoas que
compõe o universo da ‘cultura rústica’, como denominou o Professor
Antônio Candido. Nesse caso, o autor da canção reproduz, através de sua
arte, as concepções coletivas e o estilo de vida do caipira paulista.
5) A música caipira não teria a mínima chance de sucesso na indústria
fonográfica. Seu tempo de duração é geralmente muito longo, e isso às
vezes a torna monótona. Adaptá-la às exigências da Indústria Cultural
aparentemente seria a solução. Isso, no entanto, a descaracterizaria,
adulterando sensivelmente suas formas originais, perdendo, portanto, a
própria identidade enquanto produto lúdico da cultura rústica.
6) O último traço que identifica a música caipira envolve questões
técnicas, mas é imprescindível citá-lo. Seus componentes formais, ou
seja, instrumentos musicais (viola, triângulo, adufe, rabeca, reco-reco de
chifre, surdo, tarol e pandeiro) tessitura musical e andamento tornam-na
mais rítmica do que melódica, a despeito da forma anasalada de cantar,
herança da cultura musical africana absorvida pelo paulista”.
Essas características apresentadas por Caldas explicam que, para
ele, a música caipira tem relação com o folclore. É uma música com
funções sociais e que representa a tradição do povo a que está inserida.
Em nosso ponto de vista, o autor é claro nessas afirmações.
Questionamos sua abordagem quanto a definição de música sertaneja
mas, antes, abordaremos o significado da palavra sertanejo para depois
discutirmos esse estilo musical.
1.5 – Cultura Sertaneja
Os aspectos a serem abordados nesse capítulo serão usados para
confrontar a palavra sertaneja à palavra caipira.
Como veremos, as palavras contêm muitas semelhanças e é isso
que confunde na classificação do estilo musical que será analisado
posteriormente.
1.5.1 – O que significa a palavra sertanejo
No Dicionário Aurélio, a palavra sertanejo remete a sertão; “que
habita o sertão; rústico, agreste, rude; caipira; indivíduo sertanejo”.
Com referência a palavra sertaneja, este dicionário classifica como
“canção ou cantiga do sertão”.
Com relação a sertão, o mesmo dicionário traz a seguinte
definição:
“Região agreste, distante das povoações ou das terras cultivadas;
(...)Interior pouco povoado; Zona pouco povoada do interior do país, em especial do
interior semi-árido da parte norte ocidental, mais seca do que a caatinga, onde a
criação de gado prevalece sobre a agricultura, e onde prevalecem tradições e
costumes antigos”.
O que se pode concluir destas definições é que há uma
proximidade entre o caipira e o sertanejo. Na definição da palavra
sertanejo, aparecerem explicações que também figuram na definição da
palavra caipira. Ainda mais, a palavra caipira aparece como sinônimo na
definição de sertanejo. Através disso, poderíamos entender que
“sertaneja” é uma canção ou cantiga do sertão e, pode ser, uma canção
caipira. E quando a definição do dicionário explica que sertão é a zona
pouco povoada do interior do país, podemos entender que a roça também
faz parte do sertão.
Todas essas definições servem para demonstrar que as palavras
são similares e que a distinção dos autores na classificação e no próprio
imaginário popular, muitas vezes, as separa. Muitos entendem que
sertanejo só possa ser o habitante do sertão nordestino e que a música
sertaneja seja o baião ou o forró. A definição do dicionário permite
incluir o caipira, embora, como veremos no próximo item, essa inclusão
cause controvérsias.
Para discutirmos esse tema apresentaremos depoimentos de
figuras importantes do meio artístico. Também responderemos às
diferenças existentes entre música caipira e música sertaneja com
opiniões distintas apresentadas durante as discussões do grupo.
1.5.2 – O que é música sertaneja
Conforme fora evidenciado a pouco, as definições de música
sertaneja são contraditórias. Apresentaremos agora as definições do autor
Waldenyr Caldas, do Copyright Almanaque Abril e de artistas para
entendermos melhor o motivo de tais controvérsias.
Caldas, em seu livro “O que é música sertaneja”, dispõe uma série
de características para a música sertaneja, as quais são interessantes para
adentrar nesse universo. Como ele já havia definido música caipira
anteriormente, é importante ressaltar as diferenças.
As características são as seguintes:
1) “Produzida no meio urbano-industrial pela indústria do disco, a
música sertaneja torna-se apenas um produto a mais a disposição do
consumidor. Enquanto a música caipira é meio em si mesma, a sertaneja é
fim cujo objetivo é o lucro.
2) Pelas transformações por que passou, essa música tornou-se mais
melódica e menos rítmica, alterando seus componentes formais,
substituindo alguns instrumentos musicais de percussão por outros de
maior sonoridade. Saíram a caixa, o surdo, o tarol, o adufe e entraram a
sanfona, o prato de metal, a bateria, o violão e recentemente, a guitarra
elétrica. Além disso, seu tempo de duração dificilmente ultrapassa os três
minutos, considerados ideais para a canção comercial.
3) A cidade de São Paulo tornou-se uma espécie de quartel general da
música sertaneja. Quem dela quiser viver profissionalmente terá de
enfrentar o clima da concorrência entre duplas e, sobretudo, a esperteza
dos agenciadores e das gravadoras. A música caipira, porém, continua
sendo produzida indistintamente em todas as regiões já citadas.
4) Enquanto a poesia da música caipira é essencialmente religiosa, a
música sertaneja apresenta um discurso profano, da condução, do
progresso da cidade grande, e assim por diante.
5) A música sertaneja tornou-se uma força altamente expressiva da
indústria do disco no Brasil. Consequentemente, seu alcance ultrapassou a
área de influência da cultura caipira. Além disso, as gravadoras, usando
técnicas de marketing nem sempre verdadeiras, exportam essa
modalidade musical apresentando-a como folclore brasileiro. É claro, só
compra quem for realmente desenformado.
Enquanto isso, a música caipira permanece em seu estado original (em
certos casos com pequenas transformações), na condição de folclore das regiões
Sudeste, Sul e Centro do país”.
Nessas características apresentadas por Caldas, podemos verificar
o contato da cultura com o consumo. Para o autor, a partir do momento o
qual a música se transforma em mercadoria, ou seja, visa a venda, perde
o seu valor simbólico para obter um valor de troca – lucro. Não existe
relação com o folclore e é, simplesmente, objeto da cultura de massa.
O Copyright Almanaque Abril, uma das principais fontes de
consulta via CD Room, também traz uma definição importante:
“Gênero de música popular de origem rural. Em sua versão original,
desenvolvida a partir da década de 20, é também conhecida como ‘moda de viola’.
Com o processo de urbanização do país, a música sertaneja amplia sua temática,
antes restrita ao homem do campo. Nos anos 80, surge o estilo que assimila
influências estrangeiras.
A música sertaneja tradicional é geralmente cantada a duas vozes,
acompanhadas de violas e violões. As letras são narrativas inspiradas em histórias
populares, como Moda da Mula Preta e Menino da Porteira. Há ainda um tipo de
letra chamado de moda de patacoada, ou seja, absurda”.
Ao contrário de Caldas, que separa a música por caipira e
sertaneja, o Copyright Almanaque Abril divide em música sertaneja
tradicional e música sertaneja. Defende que a urbanização do país é
responsável pela ampliação da sua temática.
Antes de entrarmos em uma longa discussão, não podemos deixar
de abrir um breve espaço para as identidades das músicas caipira e
sertaneja, colocadas por Caldas:
1) “A mesma área geográfica. A música sertaneja prolifera nos mesmos
lugares onde se sedimentou a cultura caipira e em especial a sua música:
Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná.
2) O mesmo público. O caipira é um dos principais consumidores da
música sertaneja. Quando não o faz através da compra de discos, o
consumo se dá pela audição de programas de rádio, principalmente, de
televisão, de shows ao vivo em circos ou teatros.
3) A forma nasalada de cantar permanece tanto na música caipira quanto
na música sertaneja. Sobre essa questão, as informações são conflitantes.
As primeiras duplas sertanejas a gravar eram formadas por caipiras
paulistas acostumados a cantar com a nasalação bem acentuada. A
evolução da música sertaneja, no entanto, vai mostrar que muito cedo as
duplas se formariam na própria cidade de São Paulo, por cantores
urbanos, portanto, não acostumados com a nasalação”.
Voltando, então, àquela discussão anunciada, pergunta-se: Por que
há controvérsias diante das definições apresentadas sobre música
sertaneja?
Uma das opiniões é que a música sertaneja é colocada como única,
se transformando de acordo com o tempo e necessidade de mercado. O
que encontramos atualmente, como por exemplo, duplas denominadas
sertanejas de grande sucesso, como Chitãozinho & Xororó, Zezé di
Camargo & Luciano e cantores em carreira solo, como Daniel, Roberta
Miranda, já não têm mais o verdadeiro “espírito” sertanejo, como afirma
o violeiro Roberto Corrêa: “... o título é mal-empregado. A música
dessas duplas é romântica e já está bem urbanizada”. Para Corrêa, o
violeiro Zé Coco do Riachão “é um produto do meio absolutamente
puro”.
O cantor Zezé di Camargo, em entrevista a Folha de S. Paulo, do
dia 28/08/98, ao ser indagado se ele não se considera mais cantor de
música sertaneja, afirma: “Eu diria que seria pop romântico”.
Para alguns artistas, ainda, o que o autor Waldenyr Caldas define
como música sertaneja e no Copyright Almanaque Abril é encontrado
como música sertaneja tradicional, continua sendo música caipira.
Talvez pelo fato de não serem estudiosos como Caldas, mas devemos
levar em consideração que são músicos, os quais estão inseridos nesse
meio há algum tempo. O violeiro Almir Sater diz que “os caras
mudaram o nome de música caipira pra música sertaneja pra fugir com
o preconceito”. Esse preconceito seria o da palavra caipira, que não
soaria bem dentro do mercado fonográfico.
O que conclui-se com tudo isso é que os artistas – os músicos –
são contra a denominação de música sertaneja, dada hoje, para os
músicos inseridos no mercado massificador. Percebe-se, também, para
tais opiniões, a existência da música caipira no meio urbano-industrial,
ou seja, batendo de frente com a primeira característica apresentada por
Caldas nesse tópico sobre música sertaneja.
A outra opinião é, em parte, concordante com Caldas. O autor
explica com clareza suas definições e isso facilita a compreensão. A
dúvida que ocorre da controvérsia do nome o qual deve ser o correto
encontra em cada autor, uma definição.
A mais importante das características demonstradas por Caldas é
apresentar a música sertaneja como produto urbano de consumo.
Contudo, não podemos generalizar nessa afirmação. Há aqueles que,
mesmo participando da indústria cultural, mantém características rurais
que os impedem de serem classificados como “apenas” produto urbano
de consumo. Waldenyr Caldas é correto em suas distinções entre música
caipira e música sertaneja. Mas, deveria incluir nesta última ou criar uma
classe intermediária entre caipira e sertanejo, para classificar aqueles que
estão dentro da última, mantendo características da primeira.
O que pode-se retirar dessa opinião é que a música – caipira ou
sertaneja – é única. Ela mantém sua originalidade embutida em seu
ambiente tradicional e é modificada quando urbanizada, atendendo a
padrões da sociedade de consumo, embora alguns artistas mantenham
um contato maior com a tradicionalidade.
Dessas duas opiniões encontramos o caminho que percorreremos
nessa Monografia. A crítica a essa nova música sertaneja, apoiada na
sociedade de consumo e sem nenhuma ligação com as tradições do
campo, embora muitos a denominem como representação dessas
tradições.
Para tanto, temos que discutir indústria cultural e sua relação com
a música sertaneja.
2- Indústria Cultural
Nesta segunda parte dessa monografia serão discutidas a
indústria cultural e a cultura de massa como alienantes e seus aspectos
positivos e negativos, adentrando no mérito da obra de arte transformada
em objeto de consumo; de que maneira estes processos estão diretamente
ligados a transformação de culturas, como a descaracterização da música
sertaneja.
2.1 – O que é indústria cultural
“Cultura de massa” e “indústria cultural” são expressões
tratadas por Adorno como sinônimas, para que não fique a impressão de
que cultura de massa seja “uma forma contemporânea de arte popular,
surgida espontaneamente das próprias massas”. Teixeira Coelho
distingue as duas expressões em seu livro “O Que é Indústria Cultural”, a
partir do exemplo de romances de folhetim inseridos nos jornais que
caracterizavam indústria cultural antes da inserção destes. Sendo assim,
afirma:
“Os romances de folhetim destilavam em episódios, e para amplo
público, uma arte fácil que se servia dos de esquemas simplificadores para traçar um
quadro da vida na época (mesma acusação hoje feita às novelas de TV). Esse seria,
sim, um produto típico da cultura de massa, uma vez que ostentaria um outro traço
caracterizador desta: o fato de não ser feito por aqueles que o consumiam”.
Coelho quis dizer que a cultura de massa é imposta por
produtores que simplificam a linguagem artística de certa forma de
expressão, como o folhetim massifica o romance de arte, sem os
personagens complexos e trama ou situações que exaltem a natureza
humana, mas sim com narrativas elementares, personagens lineares e
situações banais. Mas, principalmente, que se tratam de exemplos de
cultura de massa, porque são produzidos para um público que não
conhece a forma e a técnica originais de um romance de arte; a massa.
Nesse mesmo raciocínio, Coelho fala de formas de arte ou
apenas técnicas conhecidas, atualmente, que se tratam de massificações
ou simplificações de formas primitivas da expressão artística, e que
deram o impulso para as teorias sobre o que se poderia considerar objeto
de cultura de massa no século XIX europeu : “O teatro de revista (como
forma de massificação do teatro), a opereta (idem em relação à ópera),
o cartaz (massificação da pintura) e assim por diante”.
Toda a percepção de que a cultura de massa é produzida por
quem não a consome, nos remete a Adorno novamente que, defendendo
a unidade entre cultura de massa e indústria cultural e envolvendo os
conceitos de cultura superior (erudita) e inferior (popular, rústica),
anuncia:
“A indústria cultural força a união dos domínios, separados à milênios,
da arte superior e da arte inferior. Com o prejuízo de ambos. A arte superior se vê
frustrada de sua seriedade pela especulação sobre o efeito; a inferior perde, através
de sua domesticação civilizadora, o elemento de natureza resistente e rude, que lhe
era inerente enquanto o controle social não era total”.
Sendo assim, hoje em dia, por exemplo, um autor de novela ou
um escritor que tenha hábitos apurados de leitura e conheça os clássicos
da literatura universal, escreve uma história baseada em tudo o que ele
conhece em seu repertório erudito, mas com a função de alegrar e
entreter o consumidor. Assim, diluirá o que há de precioso e elaborado
naquela obra reconhecidamente superior e oferecerá a população que tem
acesso a TV que encara como arte a cena doméstica que acaba de
presenciar.
Luiz Costa Lima também discorre sobre o assunto, em sua
introdução geral do livro “Teoria da cultura de massa”:
“No âmbito da cultura de massa vigora, como regra geral, a diferença
de nível entre produtores e consumidores de seus produtos, regra oposta à referente
ao âmbito da cultura superior, onde a homogeneidade mais ou menos constante da
comunicação resulta da especialização necessária a qualquer um de seus setores”.
Portanto, é possível diferenciar cultura de massa de indústria
cultural, sempre lembrando que se pense no sentido de cultura
industrializada e não de um modo de produção e seus meios de
distribuição, etc. A cultura de massa nos remete mais à forma de
apresentação de um determinado produto artístico. Nos remete à idéia
estética, da técnica, como se dá a diluição dos caracteres básicos de uma
forma de expressão. A indústria cultural está mais ligada ao efeito, ao
consumo, ou seja, ao valor da obra de arte que se transformou num bem
de consumo. Se entendermos esses conceitos aplicados ao que acontece
com a cultura superior e com a cultura inferior, como diz Adorno, em
termos práticos, é o seguinte: suponhamos uma música caipira a qual é
composta por instrumentos, letra, melodia, entonação das vozes e outras
características originárias de seu ambiente rústico, e seu isolamento, e
que seja transformada por um estúdio fonográfico em algo que tenha
mais aceitabilidade no meio urbano. Ou seja, o processo de
transformação de um produto cultural em bem de consumo é
característico de indústria cultural. A forma e as características físicas
deste processo, bem como a parte estética e a diluição dos elementos
dessa forma artística, além das características finais, podem ser cultura
de massa. Assim como Coelho definiu de “arte fácil”, destinada a
agradar o maior número de pessoas possível, isto é, que agrade a “gregos
e troianos”, tal a sua acessibilidade.
A indústria cultural e a sua cultura industrializada também
servem de meio de coerção, uma vez que a própria rede eletrônica dos
meios de comunicação de massa difundem e enfatizam as regras sociais,
uma espécie de ditadura camuflada em cores, shows, imagens sedutoras
que impõem as atitudes e transformam qualquer forma de expressão em
lugar comum. Nos dias de hoje, até a oposição faz parte de um modismo,
de alguma coisa mais ou menos aprovada pelos produtores dos “mass
media” que ditam até como devem ser as formas de revolta, a atitude
‘radical’ a ser tomada para ser considerado um “fashion outsider”. Essas
funções da indústria cultural através da sua cultura de massa, define
Coelho, são de “reforço das normas sociais e de conformismo social”.
Para defender a indústria cultural usa-se o argumento de que ela
desenvolve os processos tecnológicos da humanidade como, por
exemplo, as crianças da atualidade manuseiam o computador melhor do
que os pais e entendem mais as modernas linguagens audiovisuais de
canais de música como a MTV (Music Television), etc. Pois, com base
na dialética de Engels, percebemos que o acúmulo de informações acaba
por transformar-se em formação, ou seja, a quantidade provoca
alterações na qualidade. Também defendendo a indústria cultural,
Coelho cita argumentos daqueles os quais pensam que:
“(...) esta pode acabar por unificar não apenas as nacionalidades mas,
também, as próprias classes sociais. E, ainda, que a cultura de massa não ocupa o
lugar da cultura superior ou o da popular, apenas criando para si uma terceira faixa
que complementa e vitaliza os processos das culturas tradicionais (exemplos nas
contribuições da pop art para a pintura e as da TV para o cinema, e as da TV e do
cinema para o teatro e a literatura)”.
Podemos concluir que, industria cultural é o processo pelo qual a
arte é transformada em objeto de consumo. É o pressuposto de uma
industria real, baseada no capitalismo e com o intuito do lucro. Sua
validade é questionável. É como arte feita em série para a massa
consumir. Como veremos adiante, no item 2.3, é o aproveitamento de
apenas detalhes de um todo, uma simplificação que, no caso da música
sertaneja, se resume a forma nasalada de cantar e ao fato de que os
cantores, na maioria das vezes, formam duplas.
Portanto, a cultura de massa é um produto da indústria cultural e,
como vimos, muitos as vêem como similares. No próximo item,
mostraremos o que é cultura de massa.
2.2 O que é cultura de massa
Já demonstramos anteriormente cultura de massa e agora
ressaltaremos as propriedades da mesma, através de Luiz Costa Lima:
sociedade de consumo; natureza tecnológica da produção cultural
convencionalmente chamada de cultura de massa. Heterogeneidade
interna de seus produtos, em oposição às modalidades culturais
destacadas em períodos históricos passados.
No tópico anterior foi definida cultura de massa como produto da
indústria cultural. A cultura de massa é passiva, homogênea. Daremos
continuidade neste tópico, retomando ainda a diluição da cultura
folclórica e da cultura erudita, ambas definidas no tópico 1.1.
O homem do campo que chega na cidade para trabalhar como
operário em uma fábrica tem, como amparo emocional e cultural, o seu
folclore e as tradições de sua terra, seu canto, suas festas, enfim, suas
formas de expressão cultural. Sua jornada de trabalho e o ritmo de vida
urbano se tornam impedimentos para que ele retome as atividades
culturais, bem como não existe mais a fonte de inspiração, o cenário
bucólico do campo. Os impedimentos também interferem em suas
relações sociais. Agora, o indivíduo tem apenas um papel social: o de
operário. Na roça, todos cantavam juntos em festas em volta da fogueira
e ensinavam as canções às crianças, faziam vasos, redes, imagens de
santos. Todos cantavam. Acompanhados de suas violas estavam as
angústias, as dificuldades e as alegrias de se viver no interior.
Na cidade, este homem possui uma cultura pronta, já acabada,
para que possa se distrair do seu dia exaustivo. Alguém canta por ele,
dança por ele e vive situações cotidianas por ele, pois o próprio tem que
trabalhar cedo no dia seguinte. Artistas, agora, são aqueles designados
por produtores “culturais” para desempenhar o papel daquele que está
muito ocupado na linha de montagem e acredita que artistas são pessoas
especiais, a “nata”, escolhida a dedo para desempenhar o papel que
deveria ser de todos os integrantes de uma sociedade. Então, o indivíduo
passa a perder sua expressão espontânea.
A respeito desta substituição dos papéis sociais, esclarece
Florestan Fernandes numa citação de Ecléa Bosi, em seu livro Cultura de
massa e cultura popular:
“Quando a cultura popular entra em crise, quando se empobrece e
desagrega, os prejuízos que daí advém afetam a segurança subjetiva do homem que
se reduz de seu papel criador e renovador da cultura para o de consumidor”.
Então, o indivíduo perde seu papel de contribuinte da cultura e
deixa essa função àqueles produtores que colocarão a disposição de
todos uma canção bem fácil de assimilar, padronizada, feita para
atender necessidades e gostos médios, feita para que pensem que têm
novamente o contato com a arte, com a subjetividade e não se importem
com mais um dia de trabalho, porque não dispõem de tempo livre para
aprofundamento em outros setores e aceitem passivamente o que é
empurrado pelos meios de comunicação de massa.
Lima vê o sujeito exposto a cultura de massa. É um indivíduo
dividido e esta cultura capta os limites das culturas originais, como a
cultura rural e urbana e a linha de intercâmbio entre elas:
“(...) a grande divisão cultural permanece baseada na distância entre o
campo e cidade, entre provinciano e citadino e, daí, entre cultura de função e
procedência rural, a folclórica ou popular, e a cultura de função urbana, a superior ou
escolarizada. Cultura folclórica e cultura escolarizada são os dois pólos cujo corte
constitui o sentido do universo mental do séc. XIX. É verdade que a formação, já
desenvolvida, das concentrações proletárias determina o aparecimento de vasto setor
incapaz de se identificar no universo daquela dicotomia”.
Seguindo a mesma idéia, Antônio Candido entende a situação
gerada pelo crescimento e industrialização: “À medida que as cidades se
diferenciam e crescem em volume demográfico, artista e público se
distinguem nitidamente.”
Definindo como acontece a cultura de massa em uma sociedade,
ou seja, como um indivíduo passa de membro de uma sociedade em que
as formas de expressão não foram padronizadas, sendo rústicas e
identificáveis, como por exemplo no meio rural, para componente da
massa, Lima propõe o seguinte esquema: “Industrialização – quebra do
universo das expectativas culturais conhecidas – reorganização das
oposições culturais inconscientes.” Assim, a indústria cultural, os meios
de comunicação de massa e a cultura de massa surgem como funções do
fenômeno da industrialização. Teixeira Coelho explica o processo da
industrialização como originária de todo o quadro de alienação do
próprio trabalhador assalariado.
“É esta (a industrialização), através das alterações que produz no modo
de produção e na forma do trabalho humano, que determina um tipo particular de
indústria (a cultural) e de cultura (a de massa), implantando numa e noutra os
mesmos princípios em vigor na produção econômica em geral: o uso crescente da
máquina e a submissão do ritmo humano de trabalho ao ritmo da máquina; a
exploração do trabalhador; a divisão do trabalho. Estes são alguns dos traços
marcantes da sociedade capitalista liberal, onde é nítida a oposição de classes e em
cujo interior começa a surgir a cultura de massa. Dois desses traços merecem uma
atenção especial: a retificação (ou transformação em coisa: a coisificação) e a
alienação. Para essa sociedade, o padrão maior de avaliação tende a ser a coisa, o
bem, o produto: tudo é julgado como coisa, portanto tudo se transforma em coisa –
inclusive o homem. E esse homem retificado só pode um homem alienado: alienado
de seu trabalho, que é trocado por um valor em moeda inferior às forças por ele
gastas; alienado do produto de seu trabalho, que ele mesmo não pode comprar, pois
seu trabalho não é remunerado à altura do que ele mesmo produz; alienado, enfim em
relação a tudo, alienado de seus projetos, da vida do país, de sua própria vida, uma
vez que não dispõe de tempo livre, nem de instrumentos teóricos capazes de
permitir-lhe a crítica de si mesmo e da sociedade.”
Sendo assim, o indivíduo trabalha para viver e quanto mais se
esforça para aumentar seu patrimônio, objetivo imposto pelo sistema
capitalista, menos vive, menos reflete a respeito das questões básicas da
sua existência. Sua ânsia é pela aprovação do meio que está inserido.
Não age por consciência própria de quem teve uma conduta correta. Seu
medo é não possuir certo bem de consumo. As cobranças feitas a este
indivíduo são as de sucesso financeiro. Tudo isso faz parte da filosofia
de acumulação do capital capaz de transformar valores.
Ainda para Florestan Fernandes: “(...) a cultura popular pode
atravessar a cultura de massa tomando seus elementos e transfigurando
esse cotidiano em arte (...)”. Mas na cidade os elementos da cultura
rural se tornam pitorescos e se limitam a descrever o meio rural, o
folclore e o artista sequer entende o homem que está vivendo sob os
aspectos folclóricos.
Assim também entende Lima:
“A cultura de massa não representa uma ruptura com o solo da cultura
popular, mas apenas a industrialização dos seus limites. Não se confunde com o
folhetim e a literatura de cordel da tradição ibérica e nordestina, onde, pelas formas
métricas peculiares, já pela linguagem, tradições cultivadas e mentalidade temos
manifestação pura de cultura popular, isto não obstante sua industrialização, em data
recente, já se torne perceptível”.
Lima cita Antonio Candido, para quem o contato com o meio
urbano é fator dominante para a desagregação de uma cultura rústica,
devido as imposições feitas pela indústria cultural:
“A cultura das cidades vai absorvendo as variedades culturais rústicas e
desempenha cada vez mais o papel de cultura dominante, impondo suas técnicas,
padrões e valores. Mostra-se ainda que, no caso do homem interiorano, esta se
confunde com a regressão de valores incompatíveis com a nova situação enfrentada.
Sem planejamento racional, a urbanização do campo se processa cada vez mais como
um vasto traumatismo cultural e social, em que a fome e a anemia continuarão a
rondar o seu velho conhecido”.
Isto é, desagrega-se a cultura de extração popular e tradicional
que, então, deixa de servir como ponto de referência e valorização em
relação a indústria cultural.
Como podemos perceber, a cultura de massa tem como objeto
principal uma cultura qualquer, que de si apenas demonstra alguma
característica globalizante. É o que acontece com a música sertaneja
urbanizada.
2.3- Indústria cultural e música sertaneja
Neste item, vamos discutir o surgimento da nova música sertaneja
como produto da indústria cultural, ou seja, como característica da
cultura de massa.
Até o início dos anos 70, a música sertaneja pouco se modificaria.
Nesse período ela sofria concorrência da guarânia paraguaia e dos
primeiros boleros, que chegaram ao Brasil através de filmes mexicanos
e, com isso, entrou em baixa. Uma das soluções encontradas pelas
gravadoras para aumentar as vendas e o público da música sertaneja foi
“sugerir” que artistas gravassem guarânias e boleros ao lado de suas
canções sertanejas. Foi nesse período que foram introduzidos os
primeiros instrumentos eletrônicos na música sertaneja, embora sem
alcançar sucesso junto ao público, conforme conta Waldenyr Caldas:
“(...) além disso, ‘Malagueña’, de Tibagi e Miltinho não teve a
repercussão esperada pela gravadora. Acredita-se que o pouco sucesso dessa música
se deva justamente à presença de instrumentos eletrônicos. Tanto é que , mais tarde,
Pedro Bento e Zé da Estrada resolveram gravá-la sem a eletrônica, e tiveram
absoluto sucesso”.
Os nomes citados por Caldas são de cantores sertanejos da época.
Mesmo sofrendo a concorrência e a influência de outros ritmos, a
música sertaneja consolidou-se no meio urbano, tornando-se mais um
produto da indústria cultural.
Em meados dos anos 80, porém, essa consolidação tomou
proporções maiores com o surgimento de duplas caipiras, vendendo uma
nova forma de se ver o caipira, aliando a isso instrumentos de última
geração que permitiam um arranjo mais elaborado às canções, além de
influências dos “cowboys” americanos, no que diz respeito ao
vestuário. “Na verdade, a imagem do ‘cowboy’ americano iria mudar os
rumos da música sertaneja, desde a indumentária até o texto da
canção”, relata Caldas. É através dessa mudança que surgem as duplas
do sertanejo moderno que, da música caipira, herdaram apenas os
arranjos vocais característicos, pelo fato de serem cantados por duas
vozes. No que diz respeito a melodia e principalmente as letras, a
mudança foi drástica. Saem as figuras do gado e da porteira, as paisagens
campestres, o apego as tradições e entram em cena paisagens urbanas e
letras românticas. Alguns artistas se rebelam, como observa o violeiro
mineiro Braz da Viola, responsável pela primeira orquestra de viola do
Brasil, localizada em São José dos Campos – SP:
“A mídia descaracterizou muito a música sertaneja, o que é muito
nocivo. Os músicos de alma querem aprender a tocar principalmente o que gostam.
Depois de um tempo querem ganhar dinheiro. Mas a grande maioria só quer ganhar
dinheiro e encara a música mais como uma profissão como outra qualquer do que
arte”.
Braz complementa dizendo que essa nova música sertaneja é
apenas música romântica, “seria como se o Roberto Carlos arranjasse
um parceiro para cantar com ele”.
As mudanças atingiram também o modo de se vestir. Enquanto as
duplas caipiras tradicionais usavam roupas simples, do campo, as novas
duplas usam grifes caras. Isso tudo é reflexo do patamar alcançado por
esse estilo. A música sertaneja, hoje, é um mercado que movimenta
milhões de dólares. É uma mina de ouro. “Uma dupla de grande sucesso
vende, em média, 1 milhão de cópias de cada um de seus discos,
lançados anualmente. Além disso, os shows estão sempre lotados (...) “,
conta Anderson Borba Ciola e Fabio Carneiro Alba, na Grande
Reportagem.
Essa mina de ouro fez com que surgissem, cada vez mais, duplas e
colaborou para o esquecimento do estilo tradicional. A maioria dos
novos artistas está preocupada com o sucesso e isso também é reflexo da
indústria da música, que sempre procura o artista que se encaixe no
estereótipo de um grande sucesso, como veremos adiante. O fato
principal do surgimento da nova música sertaneja, produto da indústria
cultural, é a relação que surge entre a cultura popular e a cultura de
massa. Nessa relação, a cultura de massa, representada pela música
sertaneja urbana, passa a ser entendida como cultura popular, e esta,
esquecida. Ou seja, a música absorve alguns elementos tradicionais e os
une a predominância de elementos urbanos. O resultado dessa união é
vendido como cultura popular, passando assim, uma idéia errônea do que
vem a ser a vida no campo e até mesmo a cultura centrada nos valores
desta.
Quando se fala em indústria cultural, é difícil visualizar em que
grau ocorre uma transformação e o próximo capítulo será útil para isso,
pois nos mostrará a relação do artista com o mercado da música, com os
meios que o veiculam (mídia) e com os meios que os divulgam
(publicidade). A análise deste “mercado” nos permitirá entender com
mais clareza os mecanismos que fazem da industria cultural essa
transformadora de arte em objeto de consumo.
3 – Mercado
Como mercado entende-se a relação estabelecida entre a oferta e a
procura de bens, serviços ou capitais. Uma canção, para chegar ao
alcance do público consumidor, passa por várias fases em que , muitas
vezes, é transformada para atender ao planejamento da indústria musical.
Portanto, nesse capítulo discutiremos as funções da Publicidade e
Propaganda, do Marketing, as condições da produção musical e do
público consumidor.
Para iniciar, veremos os conceitos de Publicidade, Propaganda e
Marketing e, mais adiante, as influências de tais termos nessas
transformações.
3.1 - O que é Publicidade e Propaganda e Marketing
Além de definirmos cada um dos termos, apresentaremos suas
contribuições junto a música sertaneja, principalmente a do marketing,
em que mostraremos como funciona o projeto desse marketing para a
obtenção do sucesso.
3.1.1 – Publicidade e Propaganda
Em seu livro Propaganda: teoria, técnica e prática, Armando
Sant’Anna diz que, embora sejam usados como sinônimos, as palavras
publicidade e propaganda não significam rigorosamente a mesma coisa.
“Publicidade deriva de público (do latim publicos) e designa a qualidade
do que é público. Significa o ato de vulgarizar, de tornar público um fato, uma idéia.
Propaganda é definida como a propagação de princípios e teorias. (...)
deriva do latim “propagare”, que significa reproduz por meio mergulhia, ou seja,
enterrar o rebento de uma planta no solo (...).
Vemos, pois, que a palavra publicidade significa, genericamente,
divulgar, tornar público, e propaganda compreende a idéia de implantar, de incutir
uma idéia, uma crença na mente alheia”.
Então, publicidade e propaganda significa tornar público e
propagar. Essas são definições que nos remetem ao início do século e ao
próprio início da publicidade e propaganda, em que o importante era
tornar algo público ou propagar uma informação a respeito de um
produto ou serviço. Hoje, esses dois termos possuem o mesmo
significado. “Eles são fundidos”, como diz Rafael Sampaio em seu livro
Propaganda de A a Z. Para Sampaio:
“ (...) a propaganda é a promoção junto aos consumidores, é a alma do
sucesso. (...) A propaganda seduz nossos sentidos, mexe com nossos desejos, resolve
nossas aspirações, fala com nosso inconsciente, nos propõe novas experiências,
novas atitudes, novas ações”.
Nessa visão romantizada que Sampaio tem de propaganda, já está
inclusa a publicidade. Ambas remetem a mesma idéia: despertar o
desejo.
No Dicionário Aurélio, uma palavra se interliga a outra. Vejamos:
Publicidade – “Qualidade do que é público; (...) a arte de exercer uma
ação psicológica sobre o público com fins comerciais ou políticos;
propaganda; cartaz, texto, etc. com caráter publicitário”.
Propaganda – “Propagação de princípios, idéias, conhecimentos
ou teorias; (...) publicidade”.
As definições do Dicionário Aurélio demonstram, assim como
afirma Sampaio, que as palavras são “sinônimas”. Mas o que nos
interessa é seu campo de atuação, sua perspectiva: publicidade e
propaganda, então, é a divulgação de um produto de uma maneira a qual
desperte o desejo do consumidor em adquirir tal mercadoria.
Para Sant’Anna, “as operações de anunciar ou de vender são, em
essência, iguais. Numa e noutra visa-se condicionar os indivíduos,
incutir-lhes uma idéia que os leve à ação – ação de compra”. Dessa
afirmação, podemos concluir que a publicidade tem uma força imensa no
processo de compra e venda de um produto. Ela é responsável pela
resolução de aspirações e influencia na sociedade de consumo. Desse
modo, é inegável que uma boa campanha seja a responsável direta pelo
sucesso de um produto.
Quando do início dessa monografia, acreditávamos que a
publicidade era a grande vilã no processo de criação da nova música
sertaneja. Mas conforme fomos tendo acesso aos livros, que fazem parte
da bibliografia desse trabalho, e do contato com artistas, percebemos que
a publicidade não é a responsável direta por essa transformação.
Participa do processo, mas não é a condutora. É mais uma ferramenta da
indústria cultural e age como tal. Divulga os artistas, faz publicidade de
seus discos, cria o desejo da compra mas a transformação já existia, ou
seja, quando o artista se relaciona com a publicidade, já chega
transformado pelo marketing e pela indústria musical. A publicidade
apenas divulga o produto “acabado” e essa é a sua contribuição para com
a transformação da cultura: vender como música sertaneja um produto
que nada tem de sertanejo.
Waldenyr Caldas, em “O que é música sertaneja”, relata uma
história interessante que marca, talvez, o primeiro contato da música
sertaneja com a publicidade. Foi em 1977 e a dupla em questão era
Tonico & Tinoco. Nesse período, conta Caldas, a dupla tentou “mudar a
imagem”. Para isso, trocou as roupas de violeiros interioranos para um
visual mais elegante. Essa transformação ficou a cargo de João Natale
Neto, diretor da Boreau Publicidade. Com essas mudanças estavam em
jogo não só a imagem da dupla, mas também a imagem da própria
música sertaneja. É muito provável que, se essa tentativa tivesse feito
sucesso, a música sertaneja hoje seria outra. O que não significa que
essas mudanças fossem boas ou ruins. O fato é que o resultado foi
negativo. Tonico & Tinoco não conseguiram viver na prática a nova
imagem. Em 1980, Tinoco, o porta-voz da dupla, gravou um depoimento
em que dizia que essa tentativa de mudança de imagem havia sido um
grande equívoco de sua carreira.
Essa história nos mostra que a publicidade não é tão importante. É
lógico que temos que atentar para a fase e o produto. No final dos anos
70, quando ocorreu o fato, a mídia não tinha a força que tem hoje.
Também, Tonico & Tinoco não tinham o impacto visual das novas
duplas, geralmente formadas por jovens artistas, escolhidos para serem
galãs. Hoje, a publicidade é forte, pois a mídia é impactante. Mesmo
assim, ela não é a principal responsável pelo sucesso de um artista. Esse
sucesso, geralmente, é planejado em detalhes pela indústria da música,
que procura criar ídolos. Nesse planejamento, a indústria utiliza da
publicidade e principalmente do marketing.
O marketing é uma ferramenta mais próxima e mais
transformadora. E é isso que desvendaremos na seqüência.
3.1.2 – Marketing
Dentro das definições encontradas para tal palavra, duas das mais
interessantes para nosso estudo são encontradas na revista Marketing.
Oscar D’Ambrosio, jornalista e co-autor de Síndrome da
Passividade (Makron Books), em matéria na revista em questão, atesta
que:
“O marketing envolve pesquisa e planejamento para a criação de novos
produtos ou modificação dos existentes. Inclui ainda estudos de projetos de
embalagem, organização e supervisão de vendas e avaliação da concorrência e das
probabilidades de sua evolução”.
O jornalista ainda faz uma citação na seqüência de sua afirmação
inicial:
“Ciente disso, em Marketing para todos (Editora Summus, 200 páginas),
o consultor alemão Joachim Woerner toma como ponto de partida conceitos
aristotélicos para argumentar que o marketing, na prática, consiste numa roda viva
em que formulação de metas, coleta de informações, análise de forças, planejamento
do percurso, realização e controle de adaptação às variáveis se integram
harmoniosamente”.
Ou seja, se faz necessário todo um estudo sobre um determinado
produto, para que o mesmo tenha um futuro de sucesso. O trabalho na
imagem, no caso desse estudo em especial, com os artistas da nova
geração sertaneja, é um papel importante para o marketing e para quem
trabalha com tal.
Para salientar melhor a afirmação acima, D’Ambrosio conta o
seguinte:
“O segredo de um marketing que efetivamente traga resultados estaria na
convicção de realizar um trabalho que atenda aos pedidos dos consumidores. Saber
aquilo que se espera e preencher essa necessidade, seja no mundo da música ou em
outros mercados, é um desafio. Muitas vezes, o acerto ocorre meio por acaso, mas o
mundo contemporâneo comporta cada vez menos sucessos por acidente”.
O estudo sobre o que o consumidor está querendo é mesmo
essencial, principalmente porque, assim, ele estará consumindo
exatamente o que ele deseja, como se aquilo tivesse sido feito sobre
encomenda. Na verdade, isso não deixa de ser algo feito sobre
encomenda. Com isso, o sucesso passa a ser garantido, pois não se
trabalha mais com sucessos por acidente, conforme evidencia o trecho
transcrito acima. O sucesso passa a ser, então, um projeto de marketing.
3.1.2.1 – Sucesso: um projeto de marketing
Na Grande Reportagem de Anderson B. Ciola e Fabio C. Alba, há
um capítulo onde os autores se dedicam a discutir o papel do marketing
em relação a música. Nesse capítulo, os autores conseguiram o
depoimento de Rodrigo D’Giorgio, da dupla D’Giorgio e Daylon, que
conta o que é necessário para desenvolver um plano de marketing que o
torne conhecido:
A gravação – “Hoje em dia, você tem que Ter uma verba de no mínimo
20 mil reais pra jogar na mão de um produtor para ele contratar os músicos e para a
gravação. O disco estando pronto, se vão mais 30 mil para a prensagem, que
geralmente é de no mínimo 2 mil CD’s. Ai o que você faz com esses CD’s que está
na sua casa? Tem gente que dá show, tem gente que sorteia ou dá para os amigos, ou
seja, você perde CD!”.
A rádio – “Primeiro de tudo na mídia é o rádio. Não adianta nada você
fazer televisão e o povo não cantar sua música. Para isso você precisa mandar maladireta
com panfleto dizendo ‘olha, tal dupla tá chegando’, para avisar os radialistas e
as lojas de CD’s, porque eles precisam saber que você está no mercado. Depois você
manda os CD’s para as rádios “chaves”, você pode mandar por correio ou ir
pessoalmente e dar uma entrevistinha ao vivo e tudo mais, mas mesmo assim, o
radialista não vai tocar o CD. Ai entra o cara que vai chegar junto, que seria o
divulgador, pago pelo patrocinador da dupla. Dependendo da situação, as vezes o
radialista é subornável e numa brincadeirinha, se não fica um negócio muito formal,
acaba saindo o valor. Em outros casos você leva um vídeo-cassete, umas camisetas
da dupla... Ai você já mexe com outro tipo de propaganda. ‘Ligue para a rádio e
adivinhe o nome da dupla que tá cantando’, tudo isso para ir fazendo a música tocar.
Quando o povo acostumar com ela, eles vão começar a fazer pedido para a rádio e ai
você vai Ter o cara na mão, porque ele vai Ter que tocar!”.
A televisão – “A segunda etapa é a televisão. Quanto às emissoras
regionais não há problema. Mas para programas grandes como Xuxa e Gugu, você só
consegue entrar pagando! Se você pagar, existe o risco do povo não estar escutando a
sua música, o auditório vai aplaudir, vai ser bonito e tudo, mas não vai fixar! A
intenção não é aparecer, a intenção é fixar! Agora, se a sua dupla já estiver tocando,
eles vão te convidar”.
O depoimento de D’Giorgio serve para ilustrar a dificuldade de
um novo artista em aparecer na mídia. O artista e sua música deixaram
de ser as peças principais para fazerem parte de um plano secundário,
enquanto o negócio em si passou a ser o mais importante. Música deixou
de ser arte para se transformar em fonte de renda para os empresários
que, muitas vezes, ganham muito mais dinheiro que os artistas. Estes
passaram a ser meros empregados atendendo a planos específicos de
marketing que impõe ao artista o modo como ele deve se vestir para
atrair tal público, como ele deve cantar para conquistar uma nova fatia
do mercado. E o público, alheio a essas imposições, consome.
Inezita Barroso faz um paralelo que resume bem as afirmações
sobre o negócio na mídia e os planos específicos de marketing, citados
acima. Esse paralelo surgiu após uma pergunta feita à Inezita Barroso
sobre a morte de Tião Carreiro e Tonico comparado a de Leandro, que
teve uma cobertura da mídia:
“A mídia não quer encontrar coisa boa na sua frente. Eles querem
fabricar o bonequinho, polir o bonequinho, aí jogar na televisão, faz tudo o que a
mídia quer. Fica só a dona, pra lá e pra cá, dirigido. E a gente trabalha em outra base,
porque a gente faz arte. É um sentimento, não é dinheiro. Então, não interessa dizer
eu pago 10 milhões por mês para você para você ser meu escravo e fazer o que eu
quero. Não vai. Tião Carreiro não foi, Tonico e Tinoco não foram. As grandes
duplas, os grandes artistas caipiras não se desdobravam, não”.
Inezita demonstra que ainda existem artistas que não se submetem
a indústria e continuam fazendo seu trabalho, sua música, sua arte. Mas é
interessante como a mídia só trata do que é importante para ela.
Um caso que pode ilustrar muito bem a força da TV e,
principalmente, do empresário de um artista, foi a “manobra” que Franco
Scornovacca, na época empresário de Leandro e Leonardo (hoje de Zezé
Di Camargo e Luciano), fez para que eles se tornassem conhecidos em
todo o país. O empresário alugou o Palace, famosa casa de shows em
São Paulo, e “convenceu” os diretores do programa Fantástico, da Rede
Globo, que o público da dupla era de classe média alta, tanto que lotaria
o Palace. O que aconteceu foi que, na véspera do show, apenas 260 dos
1700 ingressos haviam sido vendidos. A solução que o empresário
encontrou foi ligar para um amigo que convocava figurantes para
programas do SBT e fretar ônibus para preencher as vagas restantes, ou
seja, mais de 1400 figurantes. O resultado foi certeiro: no dia seguinte, a
música “Entre Tapas e Beijos” estava sendo tocada em todo país, o que
alavancou as vendas do disco a mais de 1,5 milhões de cópias. Foi
Franco Scornovacca quem produziu o visual da dupla, exigindo que
usassem camisas de gola com blaser.
Essa história demonstra como atua o empresário, a mídia e a
massa consumidora. Ao artista, empregado da indústria da música, resta
o sucesso, ou não.
Além dessas “manobras” executadas por Franco Scornovacca,
existe outra maneira mais simples e comum para colocar artistas na
mídia. A dupla de Jacareí, Willian & André, formada em 1991 e que
gravou seu primeiro CD em 1995, relata como funciona esse outro
esquema:
“Quando a gente foi levar o CD na rádio Líder (uma das emissoras que
toca música sertaneja no Brasil), o rapaz disse que eu precisava ligar depois para
fazer o acerto de quanto nós teríamos que pagar para as músicas poderem tocar na
rádio, no período de um mês”.
Este tipo de “acordo” é conhecido no meio musical como “jabá”.
Pelo Aurélio, “jabaculê” – ou simplesmente ‘jabá” – é a mesma coisa
que gorjeta: “pequena importância em dinheiro, além do devido, que se
dá a alguém cujo serviço nos parece satisfatório”. Adaptando a palavra
“jabá” para o linguajar da indústria fonográfica, percebemos um
significado de “propina”, ou seja, uma quantia em dinheiro oferecido a
pessoas cujo trabalho em emissoras de rádio, como o caso citado, TV,
revistas e jornais, pode tornar famoso determinado artista ou produto.
Atualmente, já existem outras formas de “jabá”, além de uma
quantia em dinheiro. As gravadoras, por exemplo, enviam brindes às
rádios para serem sorteados entre os ouvintes. Outro trabalho importante
nesse aspecto são as promoções em conjunto com as emissoras,
conforme evidenciado na Grande Reportagem a qual estamos nos
baseando: “A Sony (Segunda maior gravadora do país) elaborou a
promoção ‘Viaje no jatinho do Zezé Di Camargo & Luciano’, como
forma de ter as músicas da dupla executadas na rádio”.
Em resumo, à massa, que desconhece as manobras do mercado,
resta desembolsar o dinheiro pelo próximo sucesso, ou não. E ao público
atento aos estratagemas da indústria, restam os artistas que resistem aos
apelos do consumo e mantém sua obra intacta, o que de alguma forma
também pode ser entendido como diferencial e útil à indústria, criadora
de ídolos.
Para entendermos como funciona a indústria da música, abriremos
um tópico em especial, a seguir.
3.2- A Indústria da música
No Dicionário Aurélio, o verbete música é definido como “arte ou
ciência de combinar sons que agradem aos ouvidos”. Música é arte, é
ciência. Através da música podemos detectar a cultura de uma região, as
influências desse povo. Podemos conhecer um pouco de uma pessoa
sabendo do gosto musical dela. Mas, além de ciência e arte, música é
dinheiro. A indústria da música é um negócio que movimenta uma
quantia exorbitante de dinheiro. Envolve desde as condições comercias
da produção até o seu contato com a mídia. Cria ídolos, modismos, gera
lucro.
A música que faz sucesso alcançou, nos últimos anos no Brasil,
uma difusão jamais experimentada por qualquer outra manifestação
cultural. Isso aconteceu devido a ascensão dos meios de comunicação:
rádio, TV e o desenvolvimento da indústria da música. Os autores Othon
Jambeiro, em Canção de Massa – As condições da produção e Tupã
Gomes Corrêa, em Mercado da Música: Disco e Alienação, discorrem
sobre o assunto. É o que veremos agora.
3.2.1 – Disco: Um panorama do produto
Tupã Gomes Corrêa diz que o disco, como produto, está incluído
na categoria de bens não duráveis. A única dominância de posse do
consumidor reside no fato de que, no ato da aquisição, ele é o
instrumento de satisfação de um prazer transitório e um futuro desprazer
que abrirá, assim, uma lacuna a ser preenchida.
“O produto disco, mais do que qualquer outro, caracteriza-se pela
destinação de consumo rápido, pela satisfação imediata de um gosto e pela
velocidade com que se processa sua saturação. Em outras palavras, eqüivale dizer
que, ao ser lançado, qualquer disco, ao mesmo tempo em que imprime velocidade
aos esquemas promocionais de venda, exerce no consumidor uma paradoxal
influência: a mesma satisfação de bastar-se pela aquisição do título lançado, coincide
com uma quase imediata saturação (por essa satisfação). Isto porque a profusão de
sons criados e recriados mediante lançamentos simultâneos, sugere permanentemente
‘a necessidade’ de ouvir e ter novos títulos”.
A idéia a qual Corrêa nos traz é que o mercado da música se
movimenta alucinadamente. Na música sertaneja, podemos notar uma
quantidade enorme de novos artistas. Isso ocorre, pois, o sucesso de
duplas como, por exemplo, Chitãozinho & Xororó, Zezé Di Camargo &
Luciano, incita um grande número de “artistas” a tentarem uma carreira
musical. Isso faz com que ocorra o processo de saturação observada por
Corrêa. Acontece que o disco é, também, um produto como qualquer
outro, merecendo cuidados especiais em sua elaboração. Esses cuidados
começam com a adequação de uma embalagem apropriada que exercem
a função de apresentação do produto. No caso da música sertaneja, há
uma padronização nas capas dos discos que, antigamente, era uma foto
em plano americano da dupla e, com o tempo, foi sendo inserido
adereços que destinavam dar uma atualização para o visual da mesma,
com uma vestimenta aos moldes “country”, ou seja, chapéu e roupas de
couro coladas ao corpo, além de botas. “Desnecessário é dizer que as
capas, tanto como quaisquer outros envólucros do produto, exercem
fundamental papel na sua apresentação”, afirma Corrêa.
O disco, atualmente CD – compact disc –, tem a função de
entretenimento. A música que contida nele traz arte, ciência e dinheiro,
conforme já fora evidenciado. A indústria da música é símbolo do
capitalismo: ela vende idéias. Então, veremos adiante como recrutar um
artista, transformá-lo em ídolo e o como funciona o jogo de influências
na realização de um disco.
3.2.2 – As condições comerciais de produção
Umberto Eco, em Apocalípticos e Integrados, atesta que a canção
de consumo segue uma “lógica das formas”, da qual as decisões dos
artistas estão completamente ausentes.
“Mas atenção: ausente não está a responsabilidade, assumida que foi o
momento que o autor decidiu produzir música de consumo para o mercado que a
procura e a procura tal qual é”. (Umberto Eco, Apocalípticos e Integrados, Ed.
Perspectiva, São Paulo, p. 297).
Isso demonstra que, mesmo o artista não tendo decisão sobre sua
música, sua autorização quanto a mudanças não o destitui da
responsabilidade da produção musical que resulta de tal decisão.
Othon Jambeiro nos conta que o artista iniciante, na maioria
das vezes, tem de passar por vários testes para ser detectada sua
capacidade. O primeiro deles, apenas uma triagem, é feita por um
produtor e visa separar os que possuem qualidades daqueles que
imaginam possuí-las. O segundo, feito por um diretor artístico, seleciona
os melhores dentre aqueles que têm qualidade. E o último, envolvendo a
conveniência ou não da contratação, é o definitivo. Nele, o diretor
comercial tem o poder de veto: o candidato que, mesmo tendo qualidade,
for vetado pela direção comercial, estará automaticamente reprovado e
não será contratado pela gravadora. Esta, tem um departamento que
pesquisa os anseios do público. O artista iniciante, quando contratado,
não tem o direito de escolher seu estilo nem o gênero musical à seguir.
“É o diretor comercial quem, baseado na política de vendas da gravadora
e nas pesquisas, (...) determina a que tipo de música ele deve dedica-se, qual o estilo
que deve cultivar e como deve aproveitar sua voz”.
Como se percebe, a indústria da música não é de brincadeira. Para
se obter sucesso, o artista passa por um longo calvário, mas ele sabe que
precisa passar por tal para alcançar o sucesso. As estratégias de
marketing que a indústria da música usa são, geralmente, agressivas.
Desde o denominado “jabá” até a distribuição de brindes, passando por
concursos e acordos com a mídia. Nesse último caso, Jambeiro conta
uma história muito interessante em seu livro:
“Quando do lançamento do Beatles no Brasil, por exemplo, a gravadora
que os lançou chegou ao ponto de conseguir de todas as rádios das principais cidades
brasileiras, incluindo as capitais, que tocassem, num determinado dia, as 9 horas da
manhã, todas juntas, somente o disco de lançamento dos Beatles. Ao mesmo tempo,
todas as lojas de discos, nas mesmas cidades, faziam a mesma coisa, o que inundou
os ouvidos de grande parte da população brasileira com o som do ruidoso conjunto”.
Essa estratégia é um exemplo de como a gravadora procura criar
ídolos para o povo. Mas existem muitas outras, que consistem,
normalmente, na idéia de vender o artista.
Jambeiro atribui que, o artista, não tem autonomia estética sobre o
que grava, podendo inclusive gravar algo que não goste. “A decisão
sobre o que lançar no mercado e o intérprete a ser utilizado é
exclusivamente da gravadora”. Franco Scornovacca, empresário
denominado o “midas” da música sertaneja, com mais de 30 milhões de
discos vendidos, diz em entrevista a Folha de S. Paulo, que o segredo do
sucesso é buscar um bom repertório e uma gravadora que tenha
disposição em investir no produto. Questionado sobre o “fracasso” de
vendas de Leandro & Leonardo (3 milhões, em 1990 e 400 mil, em
1997), disse que teria feito diferente:
“Eu teria gravado outra coisa. Acho que, se a pessoa mantém a mesma
fórmula, não conquista público. O artista tem de estar sempre atento para perceber, a
cada disco, que do ano passado para este ano é preciso somar público novo que não
estava, mas que a partir deste ano fará parte do rebanho. É por isso que o Zezé Di
Camargo faz música com Carlinhos Brown, por isso que faz música falando do lado
social do país. Por isso que ele não fica em cima do muro. Por isso conquista um
público maior. Acho que Leandro & Leonardo pecaram. Poderiam ter se atrevido um
pouco mais, se aproximado um pouco mais do popular, da MPB e do social”.
Por essas palavras, podemos entender como é difícil para um
artista manter-se original em um meio o qual o dinheiro é o principal
objetivo.
Sabemos que, na sociedade capitalista em que vivemos,
precisamos de dinheiro. E , obviamente, com os artistas não é diferente.
Almir Sater explica bem isso:
“Ele começa a gravar umas músicas porque ele não está vendendo. A
gravadora vai mandar ele ir embora e, se ele precisa de dinheiro, ele grava umas
coisas que não está de acordo com a consciência dele, mas ele precisa sobreviver”.
Entendemos esse lado do artista, mas nosso trabalho é verificar
como a cultura de massa extingue a cultura popular. Como a nova
música sertaneja, recheada de imagens urbanas , substituiu a original.
Como esse desenraizamento promovido pela indústria cultural soterrou o
folclore. Por tudo isso, a indústria da música em sua ânsia de estar
lucrando cada vez mais, sem se preocupar com os resultados desse
pensamento capitalista, está marginalizando as culturas regionais.
A indústria da música investe dinheiro em suas produções. E é
nesse caminho que daremos continuidade a nossa discussão.
3.2.3 – As condições industriais da produção
Uma empresa fonográfica completa é dividida em quatro áreas
distintas de atividade: a artística, a técnica, a comercial e a industrial. Do
setor artístico fazem parte a equipe de produção, composta de
orquestradores, produtores e outros. Do setor técnico fazem parte
especialistas em áudio e eletrônica, que dominam toda parte de
aparelhagem para gravação do disco. O setor comercial cuida da
promoção e distribuição dos discos. O setor industrial ocupa-se da
reprodução e prensagem do material. Nesse parágrafo construído com
base em afirmações feitas por Jambeiro, percebemos que essa é uma
empresa que tem amplo domínio sobre o que produz. É um investimento
e precisa gerar lucro. As relações do artista com a produção fazem parte
de uma determinação da sociedade, em que o artista existe no âmbito das
possibilidades que a indústria oferece, conforme nos explica Adolfo
Sanchez Vazquez, em citação encontrada na obra do próprio Jambeiro,
pág.45:
“Para não desviar suas forças essenciais de sua verdadeira direção, a arte
deverá ser, para ele (artista), meio de desenvolvimento de sua personalidade, mas
também meio de subsistência. É obrigado a conjugar uma criação que assegure sua
existência material e que torne possível, igualmente, a explicitação de suas forças
criadoras”.
O que influenciou na qualidade do produto final “canção” foi a
passagem de uma produção pré-industrial para uma outra industrializada.
Na fase anterior, o papel do produtor resumia-se em captar os sons e
gravá-los, sem interferir na qualidade final. Na fase posterior, o produtor
teve de modificar suas condições de produção, inclusive selecionando
ele próprio o que gravar.
“Ao nível da criação, o compositor que pretende ter sua música gravada,
inevitavelmente passou a trabalhar visando uma melhor identificação entre sua obra e
as novas condições de reprodução, por que só assim conseguirá um produto final de
qualidade”. afirma Jambeiro.
Essa inovação mudou tanto a natureza da mensagem, como a
maneira de percebê-la por parte do público. A natureza da mensagem
mudou no que diz respeito ao arranjo das músicas, através das novas
condições industriais de produção.
Com relação ao público, a percepção foi modificada, pois agora
ele tem acesso a aparelhos que reproduzem com perfeição o material
gravado. No caso dos arranjos, podemos notar a grande diferença entre a
melodia da música sertaneja original para a nova música sertaneja.
Antigamente, a música sertaneja possuía arranjos simples, em que sua
característica eram as violas e violões. Com o advento da produção
industrial e suas facilidades, esses instrumentos de cordas foram
deixados de lado. Agora, a música sertaneja está repleta de teclados,
guitarras elétricas, bateria e até samplers, devido a possibilidade maior
de arranjo que os novos estúdios permitiram e as influências da música
country americana. Mas esses novos arranjos surgiram para dar ao
produto “canção” um melhor acabamento. E não podemos esquecer dos
vídeos clips, comum, também, na música sertaneja.
Inezita Barroso nos relatou que já haviam lhe proposto a
eletrificação do arranjo de suas músicas:
“Eu passei quase dez anos sem gravar por causa disso. ‘Ah, vamos pegar
aquele repertório. Vamos fazer um arranjo para duas guitarras, não sei o que. Um
repertório que eu já tinha gravado. E eu falei não, prefiro não gravar. Eu nunca usei
fio nenhum pra ligar em lugar nenhum. É sempre no estilo que eu quero. Não faço,
não gravo coisa com instrumento eletrônico, não permito que me acompanhem com
guitarra, teclado e outros bichos”.
Inezita é um exemplo bem típico do que ocorre com o artista que
não segue as regras do mercado e da indústria. Como ela mesma disse,
ficou dez anos sem gravar porque queriam mudar sua música,
“modernizá-la”. Na verdade, queriam fazer dessa música um produto
com as características necessárias para ser um sucesso. Inezita tem o seu
público. É apresentadora de um programa de TV, “Viola Minha Viola”
na TV Cultura, além de ser uma profunda conhecedora do folclore
brasileiro e, sobretudo, enxerga qualidades em sua música, o que vai
contra os planos da indústria. Ela é uma artista que representa uma
minoria. Sobrevive, pois a indústria também precisa de negações, que
também vende.
Já vimos, no item 3.2.2, como a indústria “recruta” artistas e,
acabamos de compreender como industrializa sua produção. Agora,
mostraremos como os artistas estão ligados às gravadoras.
3.2.4 – Condições legais da produção
Todo artista tem que assinar um contrato com uma gravadora
quando pretende lançar um disco. Jambeiro diz que o contrato padrão
reduz o artista a um estado de semi-escravidão artística e, longe de
beneficiar, ainda resguarda, acima de tudo os interesses da gravadora. É
a lei do mais forte contra o mais fraco.
Ao assinar o contrato, o artista torna-se exclusivo de sua
gravadora e, ainda mais, sede a ela todos os direitos das gravações que
vierem a realizar. Ele se coloca assim, nas mãos do sistema, de pés e
mãos atados. Sobre isso, circulam várias histórias. Bob Marley, cantor
jamaicano de muito sucesso, costumava dar a autoria de suas músicas
para amigos, evitando assim monopólio do empresário e da indústria. É o
caso da canção “ No woman no cry”, cuja autoria foi dada a Vincent
Ford e que Gilberto Gil verteu para o português, como “Não chores
mais”. Bob Marley fazia isso, pois no início de sua carreira, quando não
previa ser um artista de sucesso, assinou um contrato em que passava
todos os direitos de suas canções ao seu empresário. Quando o sucesso
chegou, a saída encontrada por Bob Marley foi dar a autoria das suas
canções à amigos. Outro caso interessante é o do cantor norte-americano
Prince. Sua gravadora não permitiu que ele lançasse mais de um disco
por ano, pois achava tal atitude anti-comercial. Com isso, Prince ficou
preso a gravadora até o término do contrato, tendo que acatar suas
decisões. No Brasil, o caso mais conhecido é o do artista Jorge Ben Jor.
Ele não obteve permissão de sua antiga gravadora para regravar as
músicas que ele havia registrado durante período contratual. Isso fez com
que o disco “Ao vivo no Rio” ficasse engavetado por um ano, até as
gravadoras entrarem em um consenso.
Em entrevista recente, Fred 04, líder da banda recifense mundo
livre s/a, contou a seguinte história da relação de Chico Science, ex-líder
da banda Nação Zumbi, falecido no ano passado, com sua gravadora
Sony Music:
“Você acha que se o Chico Science estivesse vivo ele mudaria sua
música por alguma ‘sugestão’? Acho que não (...) Ele não estava nem aí para o fato
de seu primeiro disco ter vendido 30 mil cópias. Preferia saber que foi o álbum
brasileiro lançado em mais países no ano de 1994. Isso o agradava. Eu estava
presente na reunião em que ele era bajulado por um diretor da Sony Music. ‘Chico,
eu olho para você e vejo um Jackson do Pandeiro’, ele elogiava. Na hora de gravar o
segundo CD, o mesmo diretor disse: ‘A sua banda é cultuada, mas o negócio da
gente é vender disco. Você só vai gravar esse CD por pressão da Sony da Bélgica e
da França. Por mim você não continuava aqui”.
Esses fatos demonstram a difícil relação artista/gravadora. O
artista deixa de ser dono da própria obra. O direito que fica com a
gravadora só pode ter um fim: a proteção da mesma.
Tudo isso, influi no produto final. A música tocada na rádio e que
é vendida nas lojas de discos, traz em si toda a transformação obtida em
seu processo de gravação. É um jogo de influências. Os divulgadores
influenciam na maneira que divulgam. Os produtores, na maneira que
produzem. E o público, através do consumo, afinal, as vendas são o
termômetro do sucesso.
O artista depende da canção. Seu sucesso é o sinal de sobrevida
nesse campo extremamente concorrido, que é a música popular. A
canção depende da indústria. “Nela se observa um grande número de
atividades especializadas, desde a idealização do que produzir até a
produção propriamente dita”, observa Jambeiro.
Apenas relembrando, para a indústria, o que interessa é o lucro, é
ver o público consumindo cada vez mais o último lançamento, o novo
ídolo.
Para entendermos como funciona esse sistema, na seqüência,
analisaremos o público consumidor, cuja satisfação é o que busca a
indústria.
3.2.5 – O público consumidor
O sucesso é algo como uma bola de neve: quanto mais alguém o
alcança, mais ainda é o desejo de conquistá-lo. Se vender 3 milhões de
discos hoje, por exemplo, significa sucesso, 400 mil cópias amanhã será
um fracasso.
“O público fica numa situação de receber a imposição das
canções, sem nenhuma possibilidade de manifestar seu desagrado,
senão através da recusa de compra do disco”, consolida Jambeiro. Se
levarmos em conta que esse público não compra, mas ouve rádio, essa
recusa não será manifestada e, muitas vezes, criará o desejo de posse do
produto pela insistência em que as canções são tocadas.
No caso da música sertaneja, o público está indistintamente
localizado no meio urbano-industrial e no interior. De sertaneja mesmo,
sobrou apenas o nome. A rigor, ela é hoje uma modalidade musical igual
a chamada música popular brasileira, produzida e consumida em
qualquer lugar. Quando questionado sobre o que representa em termos
de rótulo na música, Zezé Di Camargo já não diz ser sertanejo:
“Eu diria que seria pop romântico. MPB, que quer dizer música popular
brasileira sempre fomos. O rótulo é usado hoje só para um grupo de artistas, que
significa música elitista. Não é esse o sentido da sigla. Mas popular que Zezé Di
Camargo & Luciano hoje no Brasil é impossível”.
Waldenyr Caldas difere dizendo que a música sertaneja é
produzida por compositores e artistas de recursos técnicos e culturais
limitados. “Os compositores e cantores sertanejos dirigem sua música
para uma certa população muito grande e de baixa escolaridade. Eles
têm consciência disso e amoldam-se ao gosto do público”.
No meio urbano, antigamente, o público que consumia música
sertaneja estava, em sua maioria, localizado na periferia. Atualmente, a
nova música sertaneja adentrou todas as classes sociais e, por isso, abriu
espaço para opiniões como a de Zezé Di Camargo.
Tudo isso, é parte de uma estratégia elaborada pela indústria.
Influenciou no modo de vestir e na incorporação de novos elementos à
musica. Como resultado, obteve o sucesso que consigo trouxe a “febre”
de novas duplas sertanejas, adotando sempre o mesmo estilo. A massa
consome e idolatra os novos artistas. Vira moda. O que tempos atrás era
tido como “música proletária”, passa a ser uma música representativa de
todas as camadas sociais. A empregada compra, a dona de casa compra,
a dona da boutique compra e vende roupas de grife inspiradas nos novos
modelos criados pela indústria, ou seja, todos consomem.
Nessa ânsia de consumo, o folclore se perde. A cultura nada mais
simboliza, além de uma fotografia em uma camiseta e uma canção no
rádio. A vida dos artistas passa a ser assunto nacional e seus problemas
se tornam problemas da Nação.
Enquanto isso, na roça, a vida continua. E seu povo também gosta
da nova música sertaneja, embora sejam amantes das tradições de se que
fizeram aprendizes.
Conclusão
Após realizarmos todas as leituras indicadas, nos aprofundarmos
sobre o assunto aqui abordado e discorrermos sobre os fatos que cercam
a produção musical dos nossos dias, concluímos que a publicidade é
uma ferramenta cuja importância é relativa, e não influencia o processo
de transformação de culturas, no caso a cultura caipira.
A publicidade divulga o produto final, ajuda a esgotar os
“estoques”, já que a cultura se transformou em bem de consumo e é uma
ferramenta da indústria cultural. Mas tudo isso ocorre por intermédio do
marketing e imposição da indústria da música.
O marketing trabalha, então, com relação à música, desde a
imposição das músicas a serem tocadas, inicialmente na rádio, até o
visual e comportamento dos artistas. O trabalho com a rádio se dá por
meio do “jabá” e uma incansável seqüência de músicas executadas em
sua programação. Quando o artista obtém sucesso, ele será colocado
como um ídolo. A partir disso acontecerá um trabalho em cima de seu
visual, como roupas e adereços a serem utilizados, porque ele ganhará
um espaço na mídia, participando ativamente de programas de TV de
grande audiência, por exemplo, em que suas músicas serão consumidas
em alta escala. Ou seja, é preciso de um trabalho “por trás” dos artistas
de acordo com as necessidades do público consumidor. O sucesso já é
premeditado pela indústria. Basta encontrar o bonequinho, como afirmou
Inezita Barroso. E, depois, manipulá-lo de acordo com a indústria para
que o consumo de suas músicas e comportamento seja, também, um
sucesso.
Sucesso: essa é a palavra mágica para a indústria da música, pois
se traduz em lucro. Sucesso quer dizer, então, o maior número possível
de pessoas assimilando certa música. Para que este fenômeno aconteça é
necessária a uniformização de um estilo de fácil aceitação e
entendimento e que não exija nenhum tipo de reflexão em suas letras. É
o mínimo denominador comum, a simplificação de estilos musicais, o
que acontece com a música sertaneja. A indústria musical é a principal
responsável por esta simplificação que acaba por criar uma imagem
inexistente para as pessoas consumirem. O lucro é mais importante que a
arte para a indústria da música.
Como todo o nosso modo de vida, costumes e ideologias são
baseados no modo de produção capitalista, com a cultura não poderia ser
diferente. A cultura é inata de todo ser humano. Dentro da cultura, a arte.
Todo homem necessita de cultura e de manifestar seu sujeito, isso desde
as sociedades mais primitivas. Não existia a classe artística de uma tribo,
por exemplo. O folclore é a manifestação coletiva de uma sociedade, de
vários indivíduos. Quando o sujeito entra num esquema de jornada de
trabalho, e acontece a divisão desse trabalho, em que cada um ocupa
uma função determinada, passa a ser responsável por uma pequena parte
no todo. Com isso, ocorre a criação de uma indústria de entretenimento,
em que determinadas pessoas, “os escolhidos”, ocupam e representam a
porção cultural da sociedade. São os “artistas”. Ou seja, todos têm
capacidades artísticas reprimidas pela nova distribuição de papéis
sociais. Enquanto um indivíduo paga uma certa quantia por um livro, o
autor desse livro paga uma certa quantia pela representatividade desse
indivíduo que poderia ser, por exemplo, na produção de um carro. A
diferença é que o escritor passa a ser considerado especial.
Tudo isso demonstra a dificuldade de interpretar o mundo
moderno. A iniciativa de um cuidado maior com a cultura e com o
desenvolvimento individual de cada um deveria partir da indústria da
música. Stephen Kanitz, um dos papas do marketing, diz que precisamos
encontrar meios para aprimorar a maneira com que o capitalismo
distribui seu lucro.
“O capitalismo se provou muito competente para produzir bens e
serviços que os consumidores querem. (...) O que o capitalismo não sabe fazer ainda
é produzir bens de que as pessoas precisam”.
Mas isso está lentamente sendo mudado, pois alguns empresários
estão gastando tempo e recursos em atividades beneficentes e
filantrópicas, simplesmente porque acreditam que as empresas precisam
produzir também bens que a sociedade requer. É meio que um conceito
de qualidade de vida e que espelha o que há de mais atual na sociedade
moderna.
O Prof. Gino Giacomini Filho, na revista do Intercom, diz “que as
empresas estão aprendendo a administrar seus lucros em função do bem
estar social”. Esses sintomas apontam para o futuro e são benvindos.
No entanto, a maioria ainda pensa em apenas lucrar, independente dos
resultados que esse lucro traga. O público precisa de programas de
qualidade nas TVs, precisa ter acesso a cultura e ser melhor tratado pela
indústria.
A cultura caipira resiste nas tradições e no trabalho de quem gosta
dela. De quem insere novos elementos nessa cultura original procurando
traduzi-la para os novos dias, como ocorre na música caipira com grupos
como: o Paranga, de São Luiz do Paraitinga e o Rio Acima, de
Paraibuna, além de artistas como Almir Sater e Inezita Barroso. Eles
agem à parte de todo movimento cultural realizado pela indústria na
criação de ídolos e resistem por que gostam do que fazem e, mesmo
assim, conquistam seu espaço na mídia.
A cultura de massa amplia cada vez mais seu alcance,
simplificando cada vez mais seu produto. Quem tem consciência desse
processo pode, até, se deixar levar pelo produto da indústria, mas sabe
que, no fim, é apenas um produto. Quem não tem consciência, consome.
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Mercado
Quando iniciamos essa monografia, talvez por
inocência, não pensávamos em música como fazendo parte
de um mercado. Sabíamos, claro, que a indústria da música
movimentava muito dinheiro o que permitia a vida glamorosa
dos artistas mas não visualizávamos esse relação
música/mercado em que a música é apenas um elemento a
mais e muitas vezes, o que menos importa. O que interessa
na indústria da música é vender mais, sempre mais. Até aí,
nada errado. Tudo que está no mercado é para ser vendido,
ninguém grava um disco para ele ficar na prateleira de uma
loja, para não vender. O problema é que a indústria da
música tem total domínio pelo seu produto. O
relacionamento do artista com a gravadora é um
relacionamento de patrão e empregado onde só alguns
conseguem expressar suas opiniões e criar sua música sem
interferência alheia. Na maioria das vezes, o artista é
induzido a transformar sua canção para atender as opiniões
dos donos de gravadora, isso quando não são contratados
para desempenhar um papel pré-determinado pela indústria.
O tabloide carioca International Magazine de novembro tras
uma entrevista com o cantor Léo Jaime que conta sua
relação com gravadoras. Alguns trechos:
“Ou seja, não tem mais jába. A gravadora compra um horário no rádio para
que toquem suas músicas do mesmo jeito que uma fábrica de sabonete paga
para passar o seu anúncio.”
“E chegou uma época em que eu discutia o repertório do disco com o cara do
marketing. Sem ver eu fui incorporando e internalizando essa questão de
industrializar o próprio trabalho. Antes da gente fazer música era uma coisa
artística(...); O cara fazia do jeito que ele quisesse e curtisse. Quando Chico
Buarque escreveu Construção ou Stevie Wonder escreveu My Cherie Amour,
não havia um objetivo a ser alcançado. E, lá pelas tantas, eu comecei a trabalhar
com um objetivo a ser alcançado.”
“Eu passei cinco anos na geladeira, querendo gravar. ‘Ah não, agora não, nós
estamos sem grana; ano que vem a gente grava’. A uma certa altura eu disse
para a Warner: ‘Vem cá vocês tem que me liberar! (...) Eu quero gravar em
outro lugar. Eles disseram: ‘Ah, então você vai Ter que pagar a grana que
recebeu como adiantamento!’ A grana do adiantamento era uma coisa curiosa,
porque eu tinha pago 25% de imposto e o Collor tinha confiscado o resto da
poupança. Eu perdi quase toda a grana da Warner ali e quando eles vieram com
essa, eles disseram também que eu tinha que dar 130% daquilo que eles tinham
me dado. ‘Como? Eu gravo um disco, vendo 30 mil cópias e ainda devo 130% do
que peguei de adiantamento?”
Alguém pode falar, puxa, mas isso não tem nada a ver
com o projeto de vocês, não era sobre música sertaneja?
Como objeto de pesquisa, escolhemos a música sertaneja
para verificar essas questões. A transformação da canção
sertaneja original e todo seu universo no que é hoje. Mas
poderíamos ter escolhido o pagode, e estudar a cultura dos
morros cariocas para perceber as diferenças do que se
convencionou chamar de pagode e para essa música que
hoje chamam de pagode. Como também poderíamos estudar
a cultura baiana e o fenômeno axé-music e, desses estudos,
chegar a conclusão de que são todos produtos destinados
ao sucesso, planejados, pois seguem o mesmo caminho,
como se fosse uma receita de bolo. É uma música de
produtor. O que nos assusta é o tamanho do mercado que
essa música de produtor ocupa, esmagando assim, quem faz
música por gosto, por arte. O ministro da cultura, Francisco
Weffort falou sobre isso na revista Veja de semana passada:
“O problema não é existir uma música de qualidade ruim, mas
ela alcançar uma quantidade incomensuravelmente maior do que
no passado”.
Isso assusta. Mas a indústria pouco se preocupa com isso,
ela quer vender, vender mais. A cultura é algo que não
importa. A música é algo que não importa. O lucro importa.
Tem uma historia interessante que ilustrará muito bem isso.
Um professor e pesquisador carioca conseguiu resgatar toda
a obra de Noel Rosa. Resgatar, nesse caso, significa
recuperar todas as composições que Noel Rosa compôs em
seu curto período de vida e que abrange composições de
1928 à 1937. Muitas dessas gravações foram retiradas
daqueles discos de vinil de 78 rotações que há muito tempo
deixaram de existir. Toda essa obra de Noel Rosa foi gravada
em nove cds. Mas nenhuma gravadora se interessou pelo
projeto. E a historia de Noel Rosa fica restrita a apenas as
pessoas que tem acesso ao professor. Essa história
demonstra como uma gravadora encara um artista. Ele tem
que ser um campeão de vendas se não não é nada. Mesmo
sendo Noel Rosa. O que nos deixa triste é saber que poucas
pessoas terão acesso a esse material. Que essa coleção
poderá desaparecer um dia, e o nome de Noel Rosa ser
apenas um verbete em um dicionário qualquer. Puxa, se uma
gravadora vende três milhões de cópias de Zezé di Camargo
e Luciano e do É o tchan, será que não poderia lançar que
sejam 1000 caixas de Noel, que com certeza encontrariam
comprador. Não, ela prefere apenas o lucro. Um ou outro
artista consegue imprimir uma obra original mas são poucos.
Mesmo assim são eles os responsáveis por perpetuar a
cultura, a arte. José Augusto Lemos, crítico musical, ao
criticar o lançamento de um disco de uma banda inglesa
chamada The Smiths, escreveu um parágrafo poético mas
verdadeiro e que se encaixa perfeitamente nessa
apresentação. Embora ele esteja falando em rock ando roll, a
idéia que ele passa pode sem transportada para outros
ritmos. Vejamos:
“A perfeição não é tão ilusiva quanto se pensa e de vez em quando
manda cartões postais do purgatório, do inferno e do paraíso. A
música pop não é só a puta calculista que nos traiu com a melhor
anestesia mas o rock and roll morreu. De vez em quando manda
polaroides do cadáver em seu esplendor, um milésimo de segundo
antes de começar sua deliciosa putrefação. Assim se passaram 34
anos desde Elvis e, para cada expressão digna de eternidade, um
labirinto de clones, derivados e diluidores, no qual algumas gerações
estão condenadas a se perder. Um bilhão de Robertos e Erasmos
para cada Arnaldo Baptista, o que só atiça o prazer da descoberta.”