Origem da plavra Caipira

Baseado na Grande Reportagem “Os Rumos da Música Caipira no Vale do Paraíba”, de Anderson Borba Ciola e Fábio Cecílio Alba, a origem da palavra caipira ainda é motivo de controvérsias. Segundo o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luiz Câmara Cascudo, a palavra significa “homem ou mulher que não mora em povoação, que não tem instrução ou trato social, que não sabe vestir-se ou apresentar-se em público. Habitante do interior, tímido e desajeitado...”. Robert W. Shirley, em seu livro “O fim de uma tradição”, critica a posição de Câmara Cascudo, dizendo que: “Esta definição em si mesma, revela a extensão da grande lacuna social entre os escritores urbanos e os camponeses, pois, de fato, o caipira tem uma cultura distintiva e elaborada, rica em seus próprios valores, organizações e tradições”. Já no Dicionário Aurélio é encontrada a seguinte definição: “Habitante do campo ou da roça, particularmente os de pouca instrução e de convívio e modos rústicos”. Cornélio Pires, jornalista e violeiro, em seu livro “Conversas ao pé do fogo” define a palavra caipira da seguinte forma: “Por mais que rebusque o étimo de caipira, nada tenho deduzido com firmeza. Caipira seria o aldeão; neste caso encontramos o tupi-guarani capiâbiguâara. Caipirismo é acanhamento, gesto de ocultar o rosto, neste caso temos a raiz ‘caí’, que quer dizer gesto de macaco ocultando o rosto. Capipiara, que quer dizer o que é do mato. Capiã, de dentro do mato, faz lembrar o capiau mineiro. Caapiára quer dizer lavrador e o caipira é sempre lavrador. Creio ser este último o mais aceitável, pois caipira quer dizer roceiro, isto é, lavrador...”.

25.3.11

ISSN: 1980-6116 UNICENTRO - Revista Eletrônica Lato Sensu Ed.4 Ano: 2008 www.unicentro.com.br A POESIA ORAL DA MÚSICA CAIPIRA: REVISANDO ALGUNS TEMAS

ISSN: 1980-6116 UNICENTRO - Revista Eletrônica Lato Sensu Ed.4 Ano: 2008
www.unicentro.com.br
A POESIA ORAL DA MÚSICA CAIPIRA: REVISANDO ALGUNS TEMAS
RESUMO
O presente artigo é resultado de um
estudo sobre a Poesia Oral Brasileira,
associada à Música Caipira, a qual é
apresentada como uma das formas de
retransmissão dos causos, que
formam a Poesia Oral. Em grande
parte das letras desse tipo de música
há sempre uma história sendo
contada, de fatos do cotidiano; de
algum acontecimento especial, ou até
de algo sobrenatural, inexplicável.
Palavras-chave: Literatura Oral;
Poesia Oral; Música Caipira.
ABSTRACT
This article is the result of a study
about the Brazilian Oral Poems, and
the Brazilian Country Music, which is
showed like one of the ways for the
retransmission of the legends, that are
part of the Oral Poems, because in
many of lyrics, there is a history about
everyday, about an especial
happening, or a supernatural event
that is inexplicable.
Key words: Oral Literature; Oral
Poems; Country Music.
Marcos Nicolau Göttems
Pós Graduando em
Literatura e
Contemporaneidade –
UNICENTRO/2006).
Frederico Augusto Garcia
Fernandes
Doutor; (UEL).
ÁREA
Lingüistica, Letras e Artes
Pag. 2 UNICENTRO- Revista eletrônica Lato Sensu ISSN: 1980-6116
A POESIA ORAL DA MÚSICA CAIPIRA: REVISANDO ALGUNS TEMAS
Considerações Iniciais
As histórias, em tempos passados, eram transmitidas e retransmitidas de uma geração a outra oralmente,
por meio do que podemos chamar de “poesia oral” 1, que é formada pelos mitos, lendas, contos e provérbios. Os
autores, muitas vezes, são desconhecidos, pois há modificação da história no decorrer do tempo. Ela é contada
em diferentes lugares, porém com algumas adaptações regionais, como será exemplificado no decorrer do
trabalho. A poesia oral “é considerada uma importante fonte de memória popular e revela o imaginário do tempo
e espaço onde foi criada2”.
Nesse mesmo ramo da poesia oral, encontra-se a retransmissão de causos (verídicos, ou não) por meio
das músicas, de forma mais acentuada na música caipira que imortalizou muitas histórias, como “a do menino
que a boiada matou”, ou pelo nome correto da música: “Menino da Porteira”, clássico da música caipira, que deu
à cidade de Ouro Fino destaque nacional. Os versos dessa música foram compostos pelos cururueiros Teddy
Vieira (Teddy Vieira de Azevedo) e Luisinho (Luis Raimundo), “lançado em 1955 por Luisinho, Limeira e
Zezinha, na Victor” 3 (Gravadora Victor), eternizada depois pela dupla Tonico e Tinoco e, mais tarde por Sérgio
Reis.
Hoje há uma estátua de um menino ao lado de uma porteira, com 10m de altura por 16 de largura, na
entrada da cidade, às margens da rodovia MG 290. Assim como essa, há tantas outras que relataram muitos
fatos históricos, acontecimentos, que são conhecidos pela população atual devido à música.
A primeira pessoa a gravar música caipira em disco de 78 RPM foi Cornélio Pires (1884 –1958) em 1929,
com recursos próprios, pois as gravadoras não acreditavam que esse tipo de música pudesse obter sucesso.
Paulista de Tietê, Cornélio foi escritor, jornalista, poeta, folclorista e cantador. Ajudou a divulgar esse tipo de
música e a cultura caipira por meio de um Teatro Ambulante no interior paulista.
As letras, depois de gravadas, tornaram-se literatura escrita, (até mesmo poesia, especialmente as mais
elaboradas). Mas, antes disso acontecer elas eram repassadas de geração em geração sem a necessidade da
escrita, pois no interior, muitos não sabiam ler, nem escrever (fato que até hoje pode ser constatado, infelizmente).
Assim era impossível a transcrição de uma história do modo formal, que conhecemos (pela escrita). Os cantores
(geralmente duplas) decoravam as letras e as interpretavam, com ponteio de uma viola, acompanhado por um
violão, que fazia a base.
Muitos autores musicais compunham sobre fatos que os inspiravam (talvez por isso a crítica afirme que as
letras são pobres de conteúdo). Assim, temos vários temas abordados pelas canções; as que falam da vida no
campo; as que relatam acontecimentos históricos; há aquelas que se parecem com uma Tragédia Grega, ambientada
nos sertões do Brasil. Algumas são canções cômicas e outras abordam temas fantásticos, como fábulas, causos
de assombração, ou milagres, assim por diante. Após o advento da escrita (e mais tarde fortalecida com a
invenção da imprensa), a literatura passou a ser contada de maneira diferente: por meio de livros impressos, ou
digitais, como na atualidade.
Em cada região do Brasil as pessoas do interior são chamadas de um modo diferente, nem sempre de
modo respeitoso. Há termos, como por exemplo: Roceiro, no Mato Grosso, Rio de Janeiro e Pará; matuto, usado
em Minas Gerais, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas; guasca, no Rio Grande do Sul; assim
por diante. Porém, todos esses nomes são usados para designar a pessoa que vive longe das cidades: o homem
do campo. Para Antônio Cândido, “O nosso caipira, do ancestral português herdou com a língua e a religião a
maioria dos costumes e crenças; do ancestral índio herdou a familiaridade com o mato, o faro na caça, a arte das
ervas, o ritmo do bate-pé (...)”. É também dele a afirmação de que “É preciso pensar no caipira como um
1 Preferimos o termo “poesia oral” em vez de “literatura oral” por entendermos, como Ong (1996) que a palavra “literatura” remete à noção
de “letra”, algo não aplicável a este pesquisa. Nesse sentido, entendemos por poesia oral qualquer expressão poética em prosa ou em verso.
2
. Acesso em: 06 de Abril. 2007,11h e 24 min.
3Há outros sites que colocam somente Luizinho e Limeira como os primeiros a gravarem a música. A citação faz referência ao site:
Acesso dia 16 de maio de 2007, 21h e 48 min.
Ed. 4 Ano: 2008 UNICENTRO - Revista Eletrônica Lato Sensu Pag. 3
GÖTTEMS, Marcos Nicolau; FERNANDES, Frederico Augusto Garcia
homem que manteve a herança portuguesa nas suas formas antigas. Mas é preciso também pensar na
transformação que ele sofreu aqui, fazendo do velho homem rural brasileiro o que ele é.” 4. Muitas pessoas não
entendem esse fato, e criticam-no por suas atitudes, seus costumes, inclusive o seu jeito de falar, que é considerado
“errado”. Ocorre que muitas dessas palavras são originárias do Português Arcaico. Elas não são utilizadas com
a intenção de mudar a língua, mas como reminiscências do modo de falar de antigamente. O termo “Caipira”,
segundo Silveira Bueno, é uma junção de duas palavras Tupis: Caa; Pir, sendo entendido como “Cortador de
Mato”. Donadio, em seu texto afirma que o caipira:
Apesar de parecer um homem rústico, de evolução lenta, nas suas mãos
calejadas, ele mantém o equilíbrio e a poesia da fusão duas etnias. E
traduz seu sentimento acompanhado da viola, companheira do peito, onde
canta suas esperanças, tristezas e as belezas do nosso país. A música
rural, criativa , contrapõe-se aos modismos vindos do exterior. Ainda é
uma forma resistente de brasilidade, feita por um do povo que conhece
muito o chão do nosso país.5
Os instrumentos usados na música Caipira não necessitam de energia elétrica como os instrumentos
atuais, pois são acústicos. O principal instrumento usado nesse estilo musical é a Viola Caipira (espécie de
violão), trazida pelos Jesuítas e colonos portugueses no século XVI, e fez parte da produção musical brasileira
desde o início.
Ela é bem menor que o violão, tem a cintura mais acentuada, destaca-se por possuir dez cordas, as quais
são tocadas juntas, como se fossem uma só. São afinadas aos pares, diferentemente dos outros instrumentos de
corda. Geralmente, é com ela que se faz o ponteio, cabendo ao violão, (que tem sua utilização em muitos outros
estilos musicais) fazer a base. É como se a viola fosse a voz do cantor (acompanhando a letra) e o violão fosse
o responsável pela música.
Outro instrumento é o acordeão, (gaita, sanfona, dependendo da região), teve como base de origem um
instrumento chinês (Cheng), e foi aprimorado em Viena (Áustria) por Cirilus Demian em 1829. Da música
Caipira Raiz (do início) o acordeão não faz parte, mas, logo foi adaptado em algumas danças dos bailes do
interior no Nordeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil, por ser um instrumento bom para tocar músicas dançantes.
Ficou mais popular no Brasil com a chegada dos imigrantes, principalmente os italianos.
O pandeiro, instrumento de percussão, também é utilizado em algumas regiões no acompanhamento, mas
a viola e o violão são primordiais para se tocar modas de viola como “O menino da porteira”.
A música caipira também pode ser chamada de Música Rural. Ela é uma mistura da cultura do colonizador
europeu (principalmente o Português) com a dos indígenas. Começou a ganhar forma desde o início da colonização,
quando os jesuítas usaram o “Caateretê” indígena (e outras danças) na tentativa de converter os nativos ao
cristianismo. O Cururu, segundo o site Viola Tropeira 6, “nasceu dos cantos religiosos marcados por batidas de
pé. Das festas ao redor dos oratórios ganhou os terreiros, nos acontecimentos sociais das fazendas e vilas.”
Mais tarde foram incorporados a essa formação musical aspectos da cultura africana. Após ser consolidada, ela
não sofreu mais influência urbana ou de outros países.
Essa “mistura” é encontrada até hoje nas danças de folias de reis, festas do Divino, São Gonçalo, entre
outras, especialmente no Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, em cidades mais interioranas, e faz parte do folclore
regional. Moda de Viola; Toada; Cateretê; Cururu, Querumana são os principais ritmos originários dessa fusão,
e muitos desses têm coreografias que são apresentadas em conjunto, como por exemplo: o fandango, o Cururú,
Cana-verde, Cateretê e a Catira. Waldenyr Caldas afirma que a música caipira “(...) ainda desempenha o papel
4 Texto “A Cultura Caipira” de Antônio Cândido. Último acesso em 22 de Julho de
2007, 02h e 02 min.
5 Do texto: A origem cai - O caipira por Vanda Catarina P. Donadio, encontrado em: Acesso dia
30 de maio de 2007, 10h e 25 min.
6 Acesso em 05 de Junho de 2007, 20h e 30 min.
Pag. 4 UNICENTRO- Revista eletrônica Lato Sensu ISSN: 1980-6116
A POESIA ORAL DA MÚSICA CAIPIRA: REVISANDO ALGUNS TEMAS
de elemento mediador das relações sociais, evitando com isso, a desagregação das populações do meio rural e
no interior” (Caldas, 1977, p. XIX).
A música sertaneja, que também tem sua origem no meio rural, sofreu mudanças com a sua urbanização,
afastando-se muito de sua origem. Ela ficou com uma função meramente utilitária para seu grande público: o
proletariado das cidades. Com o êxodo rural (no caso de São Paulo, causado pela crise do café), as cidades
incharam, cabendo às periferias absorverem o contingente de interioranos. E foi para esse público que a música
sertaneja passou a ser produzida a partir de então.
Como os envolvidos no processo de produção da música preocuparam-se mais com o lucro, com a venda
dos discos, a qualidade foi deixada de lado, sendo produzido aquilo que vendesse mais. Caldas endossa essa
afirmação, quando diz: “A indústria da canção só diluiu a música caipira (o que é normal quando ela incorpora
elementos extraídos pela cultura rústica), para o aproveitamento do crescente gosto comercial”. (1977, p. 83).
Houve muitas mudanças, como a introdução de novos instrumentos (muitos deles eletrônicos); e ainda a
influência da música de outros países, principalmente do México, do Paraguai e mais tarde dos Estados Unidos
(Country). Além disso, a temática das letras mudou. Tornou-se mais dramática e melancólica, e passou a tratar
de adultério, de traições e frustrações amorosas, ou pela afirmação popular: “dor de cotovelo”.
O CAUSO E A MÚSICA: LITERATURA E POESIA
Quem nunca ouviu um causo, geralmente contado por uma pessoa mais velha, como o vovô, ou a vovó?
Muitas vezes essas histórias que eles contavam (e muitos ainda contam) não existiam em nenhum livro. Eram
originárias da própria imaginação, ou de fatos ocorridos em algum lugar, com as adaptações que o contador
achava necessário. Essas histórias foram sendo repassadas de geração em geração pela oralidade.
Um exemplo desses causos que são contados em vários lugares, sempre com a devida adaptação, e que
acabam virando música, é o que narra a história de um boiadeiro, que só descobre ser irmão de seu melhor
amigo no dia que este é assassinado, quando vai ver seus documentos. Possivelmente essa descrição seja
suficiente para lembrar da música: “Chico Mineiro”. Segundo informação colhida do site de Ricardinho7, essa
música teria sido uma poesia formada por 25 versos, apresentada ao Tonico (João Salvador Pérez, da dupla
Tonico e Tinoco), pelo porteiro das rádios associadas, Francisco Ribeiro.
Enquanto a poesia era lida, eu me lembrava que meu pai contava essa
história e que também já a tinha ouvido em muitos lugares: se era em São
Paulo, chamava-se Chico Paulista; se era em Goiás, era Chico Goiano -
mas a história era sempre a mesma. (In Mugnaini Jr., 2001, p. 72).
Esse é o comentário de Tonico, que segundo o site, consta no livro de Ayrton Mugnaini Jr. em seu livro
“Enciclopédia das Músicas Sertanejas”. A poesia de Francisco Ribeiro foi adaptada, e se transformou num dos
maiores sucessos musicais de Tonico e Tinoco, sendo regravada muitas vezes por outros artistas.
Chico Mineiro
(Falado)
Cada vez que eu me lembro, do amigo, Chico Mineiro,
E das viagens que eu fazia, Ele era meu companheiro,
Sinto uma grande tristeza, uma vontade de chorar,
Lembrando daqueles tempos, Que não mais hão de voltar.
7 acesso dia 10 de maio de 2007, 14 h e 37 min.
Ed. 4 Ano: 2008 UNICENTRO - Revista Eletrônica Lato Sensu Pag. 5
GÖTTEMS, Marcos Nicolau; FERNANDES, Frederico Augusto Garcia
(Cantado)
Fizemos a última viagem,
Foi lá pro sertão de Goiás,
Fui eu e o Chico Mineiro,
Também foi o capataz,
Viajamos muitos dias.
Pra chegar em Ouro Fino,
Aonde nós “passemo” a noite,
Numa festa do Divino.
A festa estava tão boa,
Mas antes não tivesse ido,
O Chico foi baleado,
Por um homem desconhecido,
Larguei de comprar boiada,
Mataram meu companheiro,
Acabou o som da viola,
Acabou-se o Chico Mineiro.
Depois daquela tragédia,
Fiquei mais aborrecido,
Não sabia da nossa amizade,
Porque nós dois era unido,
Quando vi seu documento,
Me cortô meu coração,
Vim saber que o Chico Mineiro,
Era meu legítimo irmão!...
(Tonico/ Francisco Ribeiro)
Chico Mineiro é uma letra ambientada nos sertões do Brasil, mais especificamente no interior de Minas,
em Ouro Fino, no tempo em que o transporte de gado de uma região para outra era feito totalmente por meio de
comitivas. O gado seguia caminhando pelas estradas boiadeiras, e não carregado em caminhões, trens ou
barcaças, como na atualidade. Essas estradas eram os caminhos percorridos pela boiada, providos de locais
para se passar a noite, com água para o gado beber e algum pasto. A viagem demorava muitos dias, e até meses,
dependendo do trecho a ser percorrido. Esses locais, que eram pousadas dos tropeiros, deram origem a muitos
povoados que se tornaram cidades pelo Brasil afora como o município de Cássia, em Minas Gerais.
A história é narrada por um narrador testemunha. Relata o fato que presenciou há algum tempo, com uma
pessoa de seu convívio: um de seus boiadeiros. Na parte inicial (falada), ele (narrador), em tempo presente
mostra-se saudoso do protagonista, fazendo uma introdução à história que vai contar. Na seqüência (cantada) é
apresentado o início da história propriamente dita: o que aconteceu na última viagem do boiadeiro narrador, e o
desfecho surpreendente, que é a descoberta de que o narrador e Chico são irmãos.
A linguagem utilizada é coloquial, direcionada ao público de origem interiorana. É uma característica marcante
da dupla Tonico e Tinoco e de quase todas as suas músicas. Eles têm origem caipira, e mantiveram o “jeito”
caipira, não somente no falar, mas também no cantar. “Estes sim que imitam o caipira de verdade!...”, foi o
comentário do auditório no dia em que ganharam o concurso de calouros, no programa “Arraial da Curva Torta”,
juntamente com os cento e noventa segundos de aplausos (contra noventa do segundo colocado), como consta
no site de Paulo Roberto Moura Castro 8.
8 Último acesso dia 16 de Julho de 2007, 20h e 11 min.
Pag. 6 UNICENTRO- Revista eletrônica Lato Sensu ISSN: 1980-6116
A POESIA ORAL DA MÚSICA CAIPIRA: REVISANDO ALGUNS TEMAS
O final pode surpreender, mas não é um fato muito incomum, pois há outras músicas que relatam casos
semelhantes em que famílias eram obrigadas a ir para outros lugares para arranjar trabalho, fato acentuado com
o êxodo rural e a dificuldade de comunicação. Vale lembrar que hoje ainda existem pessoas que não sabem da
localização de muitos de seus parentes, até mesmo irmãos, como na música.
Pouco tempo depois, com o sucesso da música Chico Mineiro, um estudante de medicina (Sebastião de
Oliveira) apresentou uma letra à dupla Tonico e Tinoco. Era a “Vingança do Chico Mineiro”. Essa, ao que
parece, não teve o mesmo sucesso da anterior, apesar de ela ir ao encontro de um desejo que muitas pessoas
poderiam ter intimamente: a vontade de vingar-se do assassino de Chico. Essa música é uma tentativa de
emplacar mais um sucesso, fato que não aconteceu, pelo menos em parte, porque só a música Chico Mineiro
ficou imortalizou-se no cancioneiro popular. Talvez porque já existisse no imaginário popular, ou então porque a
vingança talvez não fosse bem aceita pelas pessoas que seguem princípios cristãos, como grande parte dos
brasileiros, e em especial os de origem interiorana.
Essa é a letra que poucas pessoas conhecem:
Vingança do Chico Mineiro
Na viola eu pegava pra vê se me consolava
disto que me aconteceu.
A viola só gemia, parece que ela dizia:
-Chico Mineiro morreu.
Quando eu via uma boiada levantá poêra na estrada
e o grito do boiadeiro, de tristeza inté chorava,
pra mim me representava
grito de Chico Mineiro.
Acabrunhado eu vivia, de noite já nem dormia,
sempre triste a soluçá.
Da grande dor que eu sentia, por dentro me remoía,
resorvi de me vingá.
Peguei o trinta embalado, na cinta o punhá afiado
e saí com o destino,
encontrar com o valentão que matou o meu irmão
no sertão de Ouro Fino.
Topei com esse marvado, um cabra mar-encarado,
na hora desafiei.
Ele veio pro meu lado, eu com o punhá afiado
em seu peito lhe cravei.
Deixei o tar estendido no derradeiro gemido
pra Deus eu pedi perdão.
Eu fez isto por vingança, chorando a triste lembrança
da morte do meu irmão.
(Tonico e Sebastião de Oliveira)
Ed. 4 Ano: 2008 UNICENTRO - Revista Eletrônica Lato Sensu Pag. 7
GÖTTEMS, Marcos Nicolau; FERNANDES, Frederico Augusto Garcia
A letra mantém o mesmo estilo da anterior. A linguagem permanece coloquial, com palavras típicas do
linguajar caipira, como: soluçá, remoía, resorvi e vingá (segundo verso). O espaço permanece o mesmo, o
Centro-Oeste do Brasil, mais precisamente em Ouro Fino (MG). O tempo da história em que o narrador, que
também é protagonista, conta não está claramente especificado, mas pode-se entender que é algum tempo
depois do assassinato de Chico, quando, não agüentando mais o sofrimento pela morte do irmão, o protagonista
conta: “Da grande dor que eu sentia, por dentro me remoía, resorvi de me vingá.” (Sexto verso). Já o tempo em
que a história é contada é distante, como em Chico Mineiro.
Nessa música aparece o lado vingativo do caipira, “olho por olho, dente por dente”, e ficando assim o
princípio religioso do perdão um pouco de lado, porque o irmão de Chico não perdoa o assassino: vinga-se. Mas
por outro lado, pede perdão a Deus pelo seu ato.
Muitas dessas músicas mantêm uma seqüência, como os filmes da atualidade, que acabam virando seqüenciais
como “Máquina mortífera”; “Duro de Matar”; “Harry Potter”, “O Senhor dos Anéis” e muitos outros. Na
música Caipira, existem vários casos assim, só que muitas vezes o público acaba não conhecendo as outras
partes, como aconteceu com a vingança de Chico Mineiro.
Outro exemplo é a música “Rei do Gado” de autoria de Teddy Vieira, muito conhecida. Foi até nome de
novela na Rede Globo. Poucas pessoas sabem que existe a resposta à música “O Rei do Gado”, de autoria de
Carreirinho e Teddy Vieira9, intitulada: “O Rei do Café”, gravada por Liu e Léu. Em consulta ao Wikipédia10, a
pessoa referenciada na música seria Geremia Lunardelli - o quarto e último Rei do Café do Brasil.
O Rei do Gado é uma história em que uma pessoa, aparentemente um vaqueiro, com as roupas sujas pela
poeira da estrada chega em um bar. Nesse bar é humilhado por um “almofadinha”, que reclama ao garçom,
dizendo haver necessidade da proibição da entrada de qualquer pessoa no estabelecimento, por estar presente
no recinto o Rei do Café.
Porém, o peão se apresenta, para a surpresa geral, como o famoso Rei do gado, de Andradina, São Paulo.
A história é contada por um narrador observador. Ele presencia o fato, porém não se envolve na história. A
música aborda o tema do respeito que as pessoas devem ter umas com as outras, independentemente da classe
social, e tem como espaço o interior de São Paulo “Num bar de Ribeirão Preto...” (primeiro verso). A linguagem
utilizada não é culta, é regional, “caipira”. Na música são encontradas palavras como: “arto” (alto); “armofadinha”
(almofadinha); “sarva de parma” (salva de palmas)”; “quarqué” (qualquer) e “mir” (mil) dentre outras, que têm
um forte traço do linguajar caipira: a troca da letra “L” pelo “R”.
Não é possível saber quando a história foi contada pela primeira vez, apenas sabemos que foi anterior a
1965, ano em que um de seus autores (Carreirinho) faleceu. O tempo da história é a primeira metade do século
XX, pois pesquisando sobre o assunto, descobriu-se que “A fundação de Andradina (SP) foi idealizada, em 1932
pelo fazendeiro Antônio Joaquim de Moura Andrade, maior criador de gado do Brasil” 11, que criou um povoado
na fazenda Guanabara, de sua propriedade, e loteou outra parte em pequenos sítios para os pioneiros. Andradina
conseguiu emancipação política em 30 de dezembro de 1938. Antônio Joaquim era chamado pela população de
“Rei do gado”.
A música “Rei do Café” possui um linguajar mais apurado, em relação ao “Rei do Gado”, porém as
palavras utilizadas são do universo rural. O contexto da narrativa não é datado, mas é posterior ao acontecido no
bar de Ribeirão Preto, e provavelmente se deu na mesma região – no interior de São Paulo. A narração é feita
em primeira pessoa, pois é um recado do “Rei do Café”, direcionado ao “Rei do Gado”, em que afirma não ter
aprovado a atitude do almofadinha. Fala sobre sua vida, conta que também já foi peão em Goiás, com sacrifício
construiu o seu império com a cultura do café, mas se a balança comercial se tornar desfavorável ao café “Eu
corto meus cafezais, tranformo tudo em envernada” (quarta estrofe, quinto verso). Percebe-se que, apesar de
ser estrangeiro ele nutre um grande amor pelo país que o acolheu, e que está disposto a “(...) lutar ombro a
ombro por este solo abençoado” (última estrofe).
9 Dados recolhidos do site: Dia 19/05/2007, 20h e 28 min.
10 Último acesso dia 16 de Julho de 2007, 21h e 10 min.
11 Fonte: . Dia 19 de Maio de 2007, 20h e 10 min.
Pag. 8 UNICENTRO- Revista eletrônica Lato Sensu ISSN: 1980-6116
A POESIA ORAL DA MÚSICA CAIPIRA: REVISANDO ALGUNS TEMAS
A seguir a primeira letra: Rei do Gado, na seqüência rei do Café.
Rei do gado
Num bar de Ribeirão Preto eu vi com meus olhos essa passagem
Quando o champanha corria a rodo no arto meio da granfinagem
Nisto chegou um peão trazendo na testa o pó da viage
Pro garçom ele pediu uma pinga que era pra rebater a friage
Levantou armofadinha, falou pro dono eu tenho má fé
Quando um caboclo que não se enxerga, num lugar desses vem pôr os pé
Senhor que é proprietário deve barrar a entrada de quarqué
Principalmente nesta ocasião que está presente o Rei do Café
Foi uma sarva de parma, gritaram vivas pro fazendêro
Que tem milhões de pés de café, por esse rico chão brasilêro
Sua safra é uma potência em nosso mercado e no estrangêro
Portanto vejam que este ambiente não é pra quarqué tipo rampêro
Com um modo bem cortês responde o peão pra rapaziada
Essa riqueza não me assusta, topo em aposta quarqué parada
Cada pé desse café eu amarro um boi da minha boiada
E pra encerrar o assunto, eu garanto que ainda me sobra boi na invernada
Foi um silêncio profundo, o peão deixou o povo mais pasmado
Pagando a pinga com mir cruzeiro, disse ao garçom pra guardá o trocado
Quem quiser meu endereço, que não se faça de arrogado
É só chegar lá em Andradina, e perguntar pelo Rei do Gado
(Teddy Vieira)
Rei do Café
Para o senhor rei do gado aqui vai minha resposta
O que eu penso a seu respeito eu não digo pelas costas
O senhor saiu do bar sem ouvir minha proposta
Saiba que este seu criado não tem medo de aposta
Quem já escorregou na vida em qualquer galho se encosta
O que disse o almofadinha por mim não foi endoçado
Eu eu quisesse lhe ofender não ia lhe mandar recado
Quem mexe com marimbondo deve esperar o resultado
Creio que você se esquece meu amigo rei do gado
Que o rei para ser rei precisa ser muito educado
É coisa que eu acho feio é o rico fazer cartaz
Não me acanho em lhe dizer que eu já fui peão em Goiás
Já montei em burro chucro até de cara pra trás
Se eu tirar minha camisa no peito mostro sinais
De cuampa de boi cuiabão lá na zona dos pantanais
Quando eu vejo um cafezal e um poeirão de uma boiada
Ed. 4 Ano: 2008 UNICENTRO - Revista Eletrônica Lato Sensu Pag. 9
GÖTTEMS, Marcos Nicolau; FERNANDES, Frederico Augusto Garcia
Me orgulho ser imigrante nessa terra abençoada
Também já tomei cachaça tirando boi de arribada
Se a balança do Brasil por café for ameaçada
Eu corto meus cafezais, tranformo tudo em envernada
Deixe de apostar amigo, não queira dar um passo errado
Vamos lutar ombro a ombro por este solo abençoado
Apesar de eu ser estrangeiro nele eu quero ser enterrado
Onde brota o ouro verde, nosso café afamado
Que da glórias pro Brasil além de fronteira pro outro lado
(Carreirinho e Teddy Vieira)
Os causos de assombração também são chamados de “causo de visage” (dependendo da região), e são
temas bem freqüentes em narrativas orais do interior do Brasil, independentemente da região. Eles são muito
variados, mas têm uma mesma base, como por exemplo, os causos da “Panela de dinheiro”, ou “Pote de Ouro”
(O nome varia de um lugar para outro), que é o mais freqüente em se tratando de assombração.
Assim sendo, também marcam presença na música caipira. A letra apresentada na seqüência é uma
composição de José Fortuna, chamada “A Lenda da valsa dos noivos”. A música é um relato feito por um
narrador, que é um exemplo típico de contador de causos. Ao contar a história ele demonstra conhecer muito
bem o fato: um triângulo amoroso, que resulta em morte: um rapaz, por ter sido rejeitado assassinou o jovem
casal na hora da valsa dos noivos. Por esse triste fato, com o passar dos anos o lugar teria ficado mal assombrado.
Ouvia-se à noite uma valsa no casebre largado.
Não se sabe ao certo a época do acontecido, mas o narrador aponta para um tempo distante, como, como
percebemos na letra: “Este fato passou muitos anos” (primeiro verso da última estrofe). A história está in media
res, pois a narração começa a partir do dia da festa de casamento, depois volta no tempo para o momento em
que Mané Floriano jura matar os noivos. Depois tudo segue em ordem normal, sem mais inversões.
O ambiente do acontecido é uma região rural. Entende-se isso pela descrição do local da festa: o terreiro,
que é ambiente típico de comunidades do interior, não só de São Paulo, mas de muitas outras regiões do Brasil.
Nessa música também está presente um lado vingativo do caipira, como na “Vingança do Chico Mineiro”, mas
as razões para o duplo assassinato é a rejeição de Chiquinha a Mane Floriano. Trata-se de orgulho ferido, “Por
que não quis casar-se com ele, Nem com outro se casaria.” (primeira estrofe, oitavo e nono verso). A linguagem
utilizada, apesar de tratar de temas interioranos, e ser do universo caipira, é formal, sem traços regionais
característicos.
A Lenda da valsa dos noivos
No terreiro a festança corria,
Com Antônio Chiquinha casava
Sem saber que Mané Floriano
No escuro seus passos rondava
Floriano jurou que matava
A Chiquinha que ele queria
Por que não quis casar-se com ele,
Nem com outro se casaria.
Na hora da valsa dos noivos,
Duas balas certeiras partiam
Derrubando os noivos sem vida,
Sobre o sangue abraçados morriam
Floriano foi embora deixando
Pelas balas dois peitos varados
Pag. 10 UNICENTRO- Revista eletrônica Lato Sensu ISSN: 1980-6116
A POESIA ORAL DA MÚSICA CAIPIRA: REVISANDO ALGUNS TEMAS
Como junto se amaram e morreram,
Foram juntos sepultados.
Este fato passou muitos anos
E o lugar ficou mal assombrado
Diz que a noite uma valsa se ouve
Lá naquele casebre largado
E a lenda da valsa dos noivos
Que Antônio e Chiquinha dançaram
Numa noite feliz do passado
Quando eles se casaram.
(José Fortuna)
Outro tema, também encontrado nas histórias interioranas, são relatos de milagres que teriam acontecido
pelo sertão afora, devido à religiosidade do caipira. Muitos deles se tornaram música, como a que será apresentada
na seqüência: “Milagre do amor”, que relata um que teria acontecido a um menino cego, pela intercessão de sua
mãe.
A narração é feita por um narrador onisciente. Porém em certo momento o diálogo é colocado em primeira
pessoa, na parte em que a letra é declamada. A linguagem é coloquial, sendo percebida logo no primeiro verso,
com a palavra “atrais” ao invés de atrás, entre outras. A história segue a ordem cronológica. Começa com o
nascimento da criança cega, mais tarde, conforme ela vai crescendo aumenta o pesar da mãe pela situação do
filho, até que resolve levar o filho à igreja e fazer a promessa. Logo vem o desfecho da história: o milagre, o filho
volta a enxergar.
O espaço inicial da história é um lugar distante, “lá atrais da serra” (primeiro verso), e permanece ali até o
momento que a mãe, resolve tirá-lo de casa e levá-lo à igreja, que é o segundo e último espaço citado na música.
Não se pode precisar a época do acontecimento, pois não é citada. Fato interessante é em relação aos personagens
- mãe e filho, não havendo destaque para a figura paterna. Sabe-se que na cultura caipira, principalmente, em
tempos mais remotos o paternalismo dominava. Porém, nessa música, a figura materna está em destaque, talvez
para demonstrar o poder da fé e do Amor das Mães. Essa música é uma mensagem para os pais e mães:
estarem sempre olhando para seus filhos, não desampará-los, sempre ensinar-lhes o bom caminho.
Essa letra de Milagre do amor:
Num rancho lá atrais da serra
Linda criança nascia
Tão cega como as trevas
Sem podê vê a luis do dia
O menino foi crescendo
Falava triste a chorá
Andava pendê pendendo
Mamãe não posso inchergá
A pobre mãe comovida
Abraçô o filho ceguinho
Chorou lágrimas dolorida
Carregando o seu filhinho
Foi correndo na capela
Ajueiô aos pés da cruz
Acendendo todas as vela
Feis uma prece a Jesus
DECLAMADO
Ed. 4 Ano: 2008 UNICENTRO - Revista Eletrônica Lato Sensu Pag. 11
GÖTTEMS, Marcos Nicolau; FERNANDES, Frederico Augusto Garcia
Senhor todo poderoso
Meu filhinho é um sofredô
Estou aqui ajueiada
Implorando ao Senhor
Mais me faça esse milagre
Do meu filhinho enxergá
Aqui ajueiada a seus pé
Eu prometo me cega
CANTADO
Quando na porta da igreja
Com seu filho carregado
Ele grita chora e fala
Mamãe eu já tô enxergando
Ela vorta tão depressa
Se ajueiô em frente do artá
E cumpriu sua promessa
Os seus olhos arranca
Mais porém nesse momento
Uma vóis então se ouviu
A imagem do poderoso
Parece que até sorriu
Dizendo pra pobre mãe
Vai criar o teu filhinho
E leve a luz dos teus olhos
Pra lhe ensiná o bom caminho
(Tonico e Alberto M. Alves)
Também marca presença a comicidade nas músicas caipiras, porém nem todos os artistas a usavam em
seus trabalhos, porque assim como para contar uma piada é preciso ter “jeito”, na música é da mesma forma.
Uma dupla que merece destaque é Jacó e Jacozinho, pois chegaram a adotar outro nome para a dupla, quando
cantavam músicas cômicas.
Segundo declaração de Jacó, “Em 1974, receberam de um amigo a música ‘Pepino’, com teor humorístico.
Não quisemos confundi-la com música séria. Por isso, criamos outra dupla, para cantarmos só coisas
engraçadas”12. Eles faziam uma voz diferente, que por si só era cômica. Outro detalhe são os diálogos que os
dois mantinham entre si e entre um verso e outro, ou depois das estrofes, sempre comentando, de forma também
cômica, algo sobre o verso anterior. Assim sendo, não eram somente os versos cantados motivos de riso.
O nome adotado para cantar essas músicas foi Amado e Antônio. “A dupla ficou junta até 1981, quando
Jacó morreu. Em seu lugar assumiu o irmão mais novo Pedro Jacob, residente em Osasco, que fez dupla com
Jacozinho até 1987. Amado Jacob morreu em 2001. Atualmente Pedro mantém parceria com seu filho, sob o
nome de Jacó e Jacozito” 13.
Quem não conhece aquela pessoa que gosta de inventar um “pouquinho” ao contar uma história? Esse foi
o tema de uma das músicas de Amado e Antônio. Ela se chama “O Mentiroso”. Nela estão dois causos, de
mentiroso, que muitas vezes já ouvimos sendo contados de outras maneiras, mas sempre o mesmo conteúdo.
Caçador e pescador têm fama de aumentar um pouquinho suas histórias, e no caso da música em questão,
12 Fonte: . Acesso dia 19 de Maio de 2007, 23h e 21 min.
13 Fonte: Dia 23 de maio de 2007, 09h e 12 min.
Pag. 12 UNICENTRO- Revista eletrônica Lato Sensu ISSN: 1980-6116
A POESIA ORAL DA MÚSICA CAIPIRA: REVISANDO ALGUNS TEMAS
a primeira estrofe relata um causo de caçador, que com apenas um tiro consegue abater sete animais, e como
todo o mentiroso que se preza, garante ser verídico, e já imaginando a desconfiança dos ouvintes afirma: “Vão
pensa que eu garganteio”, mas é a mais pura “verdade”.
A linguagem utilizada é coloquial, como se nota desde a primeira parte, que na verdade é o estribilho,
quando é usada a palavra “vermeio”, ao invés de vermelho. Um recurso que facilita a rima dos versos é a troca,
ou “mistura” do português formal com o dialeto caipira, pois se fosse usar um termo, uma palavra da norma
padrão, a rima não ficaria tão boa, exemplo: “garganteio” não rima tão bem com “vermelho”; “caçador” não
rima com “tombou”. Dessa forma tem-se um recurso a mais na hora de fazer as palavras rimarem.
A segunda estrofe é típica dos causos de compadre, em que um sempre quer ser melhor ou mais esperto
que o outro. Em ambos os versos não há uma definição exata do tempo. É um dia qualquer, “Um certo dia...”,
quando ele, o contador do fato foi caçar. O que interessa é o que aconteceu, e não quando aconteceu. O mesmo
acontece com o espaço, na primeira estrofe é na mata, possivelmente na segunda é na casa de um dos compadres,
daquele que está narrando o fato: “lá em casa”.
Outro detalhe é esse jeito do caipira do “prosear”, que para muitas pessoas é engraçado. Tanto isso é
verdade, que houve outra dupla, além de Jacó e Jacozinho, que também soube tirar proveito do humor na música
caipira. Para se ter sucesso não é só dizer algo que tenha graça, mas como se diz. Ambos são importantes.
Alvarenga e Ranchinho, dupla que começou nas rádios em são Paulo, foi sucesso também no Rio de
Janeiro. Os dois utilizaram-se do humor, pois faziam piadas e sátiras sociais sobre assuntos da época, especialmente
sobre o governo. Eles “Trabalharam durante dez anos no Cassino da Urca, onde aprimoraram o talento para a
sátira política, que os caracterizou para sempre. Em toda a carreira, a dupla se separou e voltou diversas vezes”
14.
O mentiroso
(Refrão)
Se eu contá o que aconteceu,
Vão pensá que eu garganteio,
Mas quando falo a verdade
Eu não fico nem vermeio.
Tem dia que é da caça
Mas tem o do caçadô.
Atirei na Capivara,
A lebre também tombô.
Tinha uma Onça no gaio,
Do susto que ela levô
Caiu em cima da Anta,
Que a Anta se esborrachô.
Vinha um veado correndo,
Viu a Onça e desmaiô.
Fui erguê a mão pra cima
Pra agradecê ao Sinhô
Peguei dois pato ferido
Do chumbo que isparramô
Repete o refrão, depois falado:
-Cê já pensô,... c’um cartucho só!
14 Último acesso em 17 de Julho de 2007, 01h e 48 min.
Ed. 4 Ano: 2008 UNICENTRO - Revista Eletrônica Lato Sensu Pag. 13
GÖTTEMS, Marcos Nicolau; FERNANDES, Frederico Augusto Garcia
-Acontece... Caçada tem dessas coisa!
-E a gente fala pros ôtro e eles não acredita!...
Eu tinha um cachorro preto
Por nome de ventania,
Tudo o que eu jogava longe
O meu cachorro trazia.
Fui falá pro meu compadre
O que o cachorro fazia
Não acreditando muito
Foi lá em casa um certo dia
Atirô uma brasa acesa
Lá de longe eu assistia.
O cachorro ergueu a perna
Feiz arguma simpatia.
Sei dizê que troxe a brasa
despois que já tava fria.
Repete o refrão, depois falado:
-De certo tinha argum barde d’água na barriga, né!
-Cachorro ensinado é assim mesmo!
-Tem gente que não acredita!
-Meu cachorro é milagroso... faiz milagre!
[Gravação de Jacó e Jacozinho. Não foi possível encontrar o(s) autor (es)].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esse artigo, algumas músicas caipiras foram apresentadas, sendo possível exemplificar alguns causos,
que são parte da poesia oral do interior do Brasil, apesar de todas as dificuldades para se encontrar um bom
material para a confecção do presente artigo.
Quanto às letras apresentadas, a maioria foi transcrita a partir de gravações antigas em fitas cassete,
outras foram transcritas a partir de regravações de músicas antigas por outros artistas, ou ainda de regravações
digitalizadas dos discos originais, de vinil.
A elaboração desse artigo foi prazerosa, descobrir inúmeras histórias, (ou causos) contadas através da
música (caipira), e também conhecer melhor a cultura do Brasil caipira, e ver que ele só é atrapalhado na cidade,
fora de seu habitat natural, porque lá onde mora ele é um sábio, que vive em harmonia com a natureza, cultivando
a terra e criando seus animais.
Comparar a poesia caipira com literatura parece um tanto estranho, pois não é costume associar Caipira
com cultura letrada. Porém, está claro que o Caipira possui uma Cultura própria, e mesmo não se utilizando da
escrita como forma privilegiada de expressão, consegue retransmitir, por meio da oralidade e da música as suas
histórias, seu folclore para seus descendentes.
Referências
ALVARENGA. Neiva Maria - Cássia, minha terra. UNIFRAN. Franca, 1994.
Alvarenga e Ranchinho. Publicado no site Cliquemusic, Disponível em: artistas/alvarenga-e-ranchinho.asp> Último acesso em 17 de Julho de 2007, 01h e 48 min.
Pag. 14 UNICENTRO- Revista eletrônica Lato Sensu ISSN: 1980-6116
A POESIA ORAL DA MÚSICA CAIPIRA: REVISANDO ALGUNS TEMAS
Andradina. Disponível em: . Acesso em 19 de Maio de 2007, 20h e
10 min.
BUENO, Francisco Silveira. Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa. São Paulo, Ed.
Saraiva, 1968.
CALDAS, Waldenyr. Acorde na Aurora: Música Sertaneja e Indústria Cultural. São Paulo, Ed.
Nacional, 1977.
CÂNDIDO, Antônio. A Cultura Caipira. Encontrado em: cultura.htm>. Último acesso em 22 de Julho de 2007, 02h e 02 min.
CASTRO, Paulo Roberto Moura Tonico e Tinoco, A Dupla Coração do Brasil. Disponível em: www.widesoft.com.br/users/pcastro2/biograf.htm>. Último acesso dia 16 de Julho de 2007, 20h e 11 min.
DONADIO, Vanda Catarina P. A origem caipira. Disponível em: origem.htm> Acesso dia 30 de maio de 2007, 10h e 25 min. e dia 05 de Junho de 2007, 20h e 30 min..
Inezita Barroso. Publicado no site Mpbnet, Disponível em: inezita.barroso/index.html>. Dia 19/05/2007, 20h e 28 min.
Literatura de Cordel e Literatura Oral. Disponível em: . Acesso em: 06
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MUNAIGNI JR., Ayrton. Enciclopédia das Músicas Sertanejas. São Paulo: Letras & Letras, 2001.
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Resgatada a irreverência de Amado e Antônio. Fonte: Jornal da Comarca Palmital - SP, Publicado na
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Teddy Vieira. Publicado por Ever, Quinta-feira, 26 de Outubro de 2006. Disponível em: cifrantiga2.blogspot.com/2006/10/teddy-vieira.html>. Acesso dia 16 de maio de 2007, 21h e 48 min.
Tonico e Tinoco - A Dupla “Coração do Brasil” Disponível em: boamusicabrasileira/index_int_8_tonicoetinoco.html>. Acesso dia 10 de maio de 2007, 14 h e 37 min.

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