Origem da plavra Caipira

Baseado na Grande Reportagem “Os Rumos da Música Caipira no Vale do Paraíba”, de Anderson Borba Ciola e Fábio Cecílio Alba, a origem da palavra caipira ainda é motivo de controvérsias. Segundo o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luiz Câmara Cascudo, a palavra significa “homem ou mulher que não mora em povoação, que não tem instrução ou trato social, que não sabe vestir-se ou apresentar-se em público. Habitante do interior, tímido e desajeitado...”. Robert W. Shirley, em seu livro “O fim de uma tradição”, critica a posição de Câmara Cascudo, dizendo que: “Esta definição em si mesma, revela a extensão da grande lacuna social entre os escritores urbanos e os camponeses, pois, de fato, o caipira tem uma cultura distintiva e elaborada, rica em seus próprios valores, organizações e tradições”. Já no Dicionário Aurélio é encontrada a seguinte definição: “Habitante do campo ou da roça, particularmente os de pouca instrução e de convívio e modos rústicos”. Cornélio Pires, jornalista e violeiro, em seu livro “Conversas ao pé do fogo” define a palavra caipira da seguinte forma: “Por mais que rebusque o étimo de caipira, nada tenho deduzido com firmeza. Caipira seria o aldeão; neste caso encontramos o tupi-guarani capiâbiguâara. Caipirismo é acanhamento, gesto de ocultar o rosto, neste caso temos a raiz ‘caí’, que quer dizer gesto de macaco ocultando o rosto. Capipiara, que quer dizer o que é do mato. Capiã, de dentro do mato, faz lembrar o capiau mineiro. Caapiára quer dizer lavrador e o caipira é sempre lavrador. Creio ser este último o mais aceitável, pois caipira quer dizer roceiro, isto é, lavrador...”.

22.3.11

Anuário Unesco/Metodista de Comunicação Regional, Ano 13 n.13, p. 145-159, jan/dez. 2009 Resumo

Jornalismo e literatura:
aproximações, recuos e fusões
Edvaldo Pereira Lima*



Anuário Unesco/Metodista de Comunicação Regional, Ano 13 n.13, p. 145-159, jan/dez. 2009
Resumo
A longa e duradoura controvérsia de aproximações e estranhamentos
entre o jornalismo e a literatura viveu um tempo de notável fertilização
mútua no novo jornalismo norte-americano dos anos 1960 e 1970. Avanços
e diálogos entre essas duas áreas também têm ocorrido em outras
partes do mundo e em diferentes períodos da história, como ilustram os
casos de Gabriel García Márquez na Colômbia, Euclides da Cunha no
Brasil e a famosa revista brasileira Realidade. A narrativa de não-ficção,
que não se encontra congelada no passado, especialmente no jornalismo
literário, alcançou status de um novo gênero de altíssima qualidade –
advogam autores famosos –, independentemente de reconhecimento
oficial. Continua a encontrar novos meios de manifestação, neste novo
século. Contudo, se a mídia tradicional não responder proativamente
aos novos desafios que surgem, outros canais de expressão o farão.
Isso seria triste, mas a vida tem que se renovar. A essência da questão
é a necessidade humana e social por contar e receber histórias. E isso
é uma adaptável função perene de nossa espécie.
Palavras-chave: Jornalismo literário. New journalism. Literatura da realidade.
Revista Realidade.
Jornalismo e literatura:
aproximações, recuos e fusões
Edvaldo Pereira Lima*
* É professor (aposentado) da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Doutor
em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, com pós-doutorado em Educação
pela Universidade de Toronto. Jornalista e escritor. Co-fundador da Academia Brasileira de Jornalismo
Literário – www.abjl.org.br – e autor de diversos livros, com destaque para Páginas ampliadas:
o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. Residiu nos Estados Unidos na fase final da
contracultura, fenômeno contextualmente relevante no âmbito do tema que aqui se discute. Contato:
ed.pl@terra.com.br.
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Journalism and literature: approaches, retrocessions,
and fusions
Abstract
The long lasting and ongoing controversy of the approaches and estrangements
between journalism and literature found an exciting time
of mutual remarkable fertilization during the new journalism of the 1960s
and 1970s in the United States. Advances and dialogues between these
two areas have also occurred everywhere else and in different periods of
history, as illustrated by the cases of Gabriel García Márquez in Colombia,
Euclides da Cunha in Brazil and the famous Brazilian publication
Realidade. Not frozen in the past, nonfiction narrative, mainly in literary
journalism, has reached the status of a new top quality genre – as famous
authors advocate –, regardless of official recognition. It goes on
now finding new ways to express itself in this new century. However,
if traditional media does not proactively respond to new challenges
coming up, other channels of expression will do so. That would be
sad, but life has to go on renewing itself. The core of this issue is the
human and social need for telling and receiving stories. And that is a
perennial ongoing adaptable feature of our species.
Keywords: Literary journalism. New journalism. Literature of reality.
Realidade magazine.
Periodismo y literatura: aproximaciones, retrocesos
y fusiones
Resumen
La larga y siempre presente controversia de aproximaciones y alienaciones
entre el periodismo y la literatura vivió un momento excitante de
fertilización mutua en el nuevo periodismo norteamericano de los años 1960
y 1970. Avances y diálogos entre los dos áreas se dan también en otras
partes del mundo y en diferentes períodos de la historia, como ilustrado
por los casos de Gabriel García Márquez en Colombia, Euclides da
Cunha en Brasil y de la famosa revista brasileña Realidade. La narrativa
de non-ficción, que no está congelada en el pasado, en especial en el
periodismo literario, ha alcanzado el status de un nuevo género de muy
alta calidad – autores famosos lo advocan –, mismo sin reconocimiento
oficial. Sigue buscando nuevas maneras de expresión, en este nuevo siglo.
Sin embargo, si la media tradicional no responda proactivamente a los
nuevos retos que puedan surgir, otros canales de expresión lo harán. Eso
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Anuário Unesco/Metodista de Comunicação Regional, Ano 13 n.13, p. 145-159, jan/dez. 2009
sería triste, pero la vida tiene que renovarse. El corazón de esa cuestión
es la necesidad humana y social para contar y recibir historias. Y eso es
una condición adaptable perene de nuestra especie.
Palabras-clave: Periodismo literario. New journalism. Literatura de la
realidad. Revista Realidade.
A relação controversa entre o jornalismo e a literatura, trajetória que
se perde nas dobras do tempo desde que ambos existem nos formatos que
hoje reconhecemos, ganhou um direcionamento instigante na década de 1960,
mantendo-se viva e atual século XXI adentro. Como camaleão, adapta-se,
cria novos formatos, evolui. No período culturalmente efervescente do new
journalism, nada menos que quatro casos marcantes evidenciaram o surgimento
de uma nova postura de profissionais. Rompiam a dicotomia entre as
identidades respectivas de jornalista e de escritor, gerando um novo patamar
de possibilidades no cenário cultural.
Dois escritores de ficção transformados em jornalistas e dois jornalistas
de carreira – um dos quais também se tornaria escritor de ficção no futuro
– ajudaram a estabelecer um novo padrão nesse diálogo mutuamente fértil
graças à procura obcecada pelo texto de excelência. Navegaram nas águas do
jornalismo literário – modalidade narrativa que já consolidara presença na
indústria cultural –, mergulhados até a raiz num contexto de transformações
sociais profundas que marcariam época nos Estados Unidos. A fermentação
que possibilitaria a formidável projeção pública do trabalho desses profissionais
tinha crescido na década de 1950, mas alcançaria de vez o Olimpo
do mercado editorial na década seguinte, de maneira espetacular e jamais
ocorrida em outras partes do mundo.
O quadro de profunda mudança geo-político-econômica internacional
resultante do final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, colocava os Estados
Unidos num papel de predomínio sobre boa parte do planeta, heróis
incontestes da tremenda luta travada contra o nazismo, ameaça terrível que
pairara sobre a Europa e cujos tentáculos poderiam ter abarcado todo o
globo, caso houvesse saído dela vitorioso. O grande império britânico saíra
depauperado, ferido de morte em seu status de maior senhor colonialista da
história da humanidade. Ao mesmo tempo em que os Estados Unidos ascendiam
ao posto de grande potência, no lugar de sua pátria-mãe, a Inglaterra,
defrontavam-se contra a ascensão de outra potência mundial que ocupava
uma polaridade oposta de influência internacional. Nascia a Guerra Fria
contra a União Soviética.
A década de 1950 começou com essa atmosfera reinante, em boa parte
da opinião pública norte-americana, de que os Estados Unidos eram a nação
Anuário Unesco/Metodista de Comunicação 148 Regional • 13
redentora do mundo. O símbolo dessa idealização saltava à consciência de
bons moços de seus cidadãos nas fotos históricas e nos filmes que retratavam
cenas tocantes, senão românticas, dos libertadores soldados norte-americanos
sendo recebidos com flores, jazz e músicas das grandes orquestras estadunidenses
pelas populações francesas que tinham amargado a ocupação nazista. O
American way of life e seus valores – o individualismo do self-made man, a força
empreendedora do cowboy conquistador de fronteiras que agora se espalhava
pelo mundo, o puritanismo da maioria, a objetividade engenhosa diante dos
desafios práticos, o lugar sacrossanto do capital no contexto das coisas, a fé
cega no poder do racionalismo lógico, da ciência e da tecnologia, a “democracia”
e a “liberdade” da sociedade de consumo – transportava-se para inúmeros
quadrantes do planeta. Era levado pelas asas da Pan American, pelos prazeres
juvenis maquiavelicamente incitados da Coca Cola, pelas grandiosas produções
cinematográficas de Hollywood. O propósito da vida parecia simples para um
jovem norte-americano dessa época, abençoado por ter nascido numa das
duas mais poderosas nações do planeta, herdeiro do heroísmo reconhecido
de seus pais: crescer, fazer faculdade, conquistar um trabalho, ganhar dinheiro,
constituir família, ajudar seu país a manter a chama da democracia acesa
para o mundo, evitando a todo o custo o avanço do imperialismo soviético,
ameaça ao fim de seus valores consumistas mais queridos.
Na periferia do coração consumista norte-americano, porém, uma insatisfação
se instalava e crescia, no seio mesmo da juventude, em bolsões
cada vez maiores de crítica ao American way of life, rompendo a autovisão
coletiva ingênua que ainda dominava seus irmãos mais velhos e seus pais.
Duas correntes de questionamento avançavam, ora encontrando-se, ora
amalgamando-se. A primeira operava no coração do sistema universitário,
como que desejando transformar o leviatã dominante por dentro, enquanto
a segunda adotava postura radical, rompendo com o modelo estabelecido,
criando experimentos de alternativas sócio-político-culturais centradas em
valores estranhos à conservadora sociedade norte-americana. Essa segunda
é a trajetória que começa com os beatniks, depois resultando nos hippies e em
todo o movimento contracultural que explode de vez, escancarado-se no veio
central da sociedade na década de 1960.
Tanto os jovens universitários intelectualizados quanto os hippies percebem
que o discurso do establishment esconde falácias. A primeira, óbvia, é
que o mundo vive então sob uma nova e mais assustadora ameaça, talvez, do
que fora o nazismo. A paranóia dos generais do Pentágono, de um lado, e
dos comandantes do Kremlin, de outro, pode colocar a perder num instante
todo o sonho de futuro, com a deflagração de uma suicida guerra nuclear.
O homem tem em mãos, pela primeira vez, essa funesta arma letal, a bomba
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Anuário Unesco/Metodista de Comunicação Regional, Ano 13 n.13, p. 145-159, jan/dez. 2009
atômica, cujo poder de devastação arruína de vez todo o planeta, caso as
duas potências se engolfem numa disputa bélica sem retorno. A segunda é
que o racionalismo linear e raso da cultura norte-americana não traz respostas
aos anseios mais vitais e universais do ser humano; a leitura do mundo
não pode se resumir às páginas superficiais da revista Time ou da Life. A
terceira é que o puritanismo comportamental esconde uma falta de graça e
uma incapacidade crônica do norte-americano médio de viver a vida e gozar
seus prazeres. A quarta é que as linguagens e os modos de expressão de suas
artes tinham estagnado no tempo, presos a um modo de perceber e retratar
o mundo estanque, exangue de seiva e vitalidade.
Da constatação à realização. Jovens em número crescente passam a romper
com os padrões tradicionais nas esferas da política, do conhecimento, do
comportamento. Denunciam e se opõem à tendência beligerante de Washington,
resultando na queima pública das convocações compulsórias às Forças
Armadas e nos movimentos populares contra a nova guerra que se travava,
dessa vez no Vietnã. Muitos, insatisfeitos com os paradigmas reinantes na
cultura ocidental e na ciência cartesiana de seu tempo, exploram novas possibilidades
nas filosofias orientais, no misticismo e no espiritualismo de todos
os matizes e cores. Homens e mulheres jovens quebram a herança pudica de
seus pais e avós, deflagrando a revolução sexual do amor livre. Artistas novos
rejeitam os modelos de Hollywood e de toda a indústria cultural, produzindo
filmes underground, músicas de protesto, fazendo crescer o rock and roll. E todos
contestam o ideal do projeto burguês de faculdade-casa-trabalho-casamentodinheiro,
pois a bomba atômica pode num instante soterrar tudo, acabando
com a vida insossa de quem não se solta para apreciá-la. Daí o make love not
war, mote predominante da contracultura.
Muito interessante, você talvez possa pensar, caro leitor, prezada
leitora. E pode, com direito, perguntar: mas o que tem isso a ver com o
foco deste artigo?
Tem a ver que quatro grandes expoentes da narrativa contemporânea
fariam história, dando contribuição extraordinária a esse tema, exatamente
a partir desse pano de fundo de uma sociedade em grande agitação sóciopolítico-
cultural.
Constataram que os Estados Unidos viviam um momento especial,
gerando um formidável campo temático de narrativas. De um lado, uma
revolução social de grandes proporções estava em andamento. De outro,
perdia-se a inocência, descobrindo-se que no reino de Hamlet também pululavam
as mazelas da alma humana; por trás do brilho artificial dos astros
do show business ou do discurso publicitário da Quinta Avenida e do paraíso
ilusionista de Wall Street existia todo um universo de cidadãos anônimos com
Anuário Unesco/Metodista de Comunicação 150 Regional • 13
suas inquietações cotidianas e suas realizações maravilhosas escondidas no
aparentemente banal. Perceberam que tudo isso constituía histórias magníficas
a se contar. E descobriram, perplexos, que ninguém estava abordando esse
rico território de possibilidades. Pelo menos não no campo literário.
O que acontecia, pelo menos na visão de Tom Wolfe, um desses expoentes,
é que os autores de ficção estavam voltados a pensar em temas muito
distantes dessa realidade borbulhante que invadia mentes, rostos e peles de
quem estava minimamente atento ao panorama social da época. Os grandes
autores da escola do realismo social – entre eles Ernest Hemingway, John dos
Passos e William Faulkner – já tinham falecido ou desaquecido sua produção
para se envolverem com a nova onda. Novos autores respeitados no veio
central da cultura não traduziam, em sua literatura, o fenômeno crescente,
pronto para ser abordado por escritores atentos. A literatura de ficção parecia
estar congelada, sem vigor temático ou narrativo.
Foi então que esses quatro grandes nomes resolveram debruçar-se sobre
distintos aspectos desse tsunami sociocultural à espera de autores ousados
o suficiente para topar o desafio. Truman Capote era escritor de ficção que
já tivera um bom momento de estrelato com seu livro Bonequinha de luxo1,
convertido em filme em 1961, quando, atraído pela notícia do assassinato
brutal de uma família de fazendeiros no até então pacato Meio-Oeste norteamericano,
resolve abordá-lo, mas em formato de não-ficção. Desse esforço,
resultaria matéria – na revista The New Yorker – publicada em 1965, seguida
do livro que o consagraria como um grande nome do new journalism: A
sangue frio2. Norman Mailer era também escritor de ficção respeitado desde
1948, quando seu romance de estréia, Os nus e os mortos3, o lançou para o
estrelato literário. Altamente politizado, Norman Mailer mobiliza-se contra
a guerra do Vietnã, resolvendo, porém, embarcar também na seara da nãoficção,
escrevendo matérias para revistas – como Esquire e Playboy – e livros
focalizando a mutante cena política norte-americana. Entram em sua pauta
as convenções dos partidos Democrata e Republicano para a escolha de
candidatos à presidência da República, marchas de protesto contra a guerra
do Vietnã, ou questões caras ao ideário do sistema político central, como
a corrida espacial à lua e a biografia de Marylin Monroe, tida por ele como
vítima de um complô, por seu alegado envolvimento amoroso com Robert
Kennedy, irmão do presidente, John.
Tanto Capote quando Mailer levam para a prática do jornalismo o expertise
que tinham acumulado como autores de ficção – e como ensaísta tam-
1 Publicado pela Companhia das Letras em 2005. O original, Breakfast at Tiffany´s, é de 1958.
2 São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
3 Edição brasileira da Record, s/d.
Jornalismo e literatura: aproximações, recuos e fusões 151
Anuário Unesco/Metodista de Comunicação Regional, Ano 13 n.13, p. 145-159, jan/dez. 2009
bém, no caso do segundo –, cientes, provavelmente, de que a complexidade
dos temas de que tratariam, assim como a riqueza sociocultural da época,
demandava uma excelência literária para a qual não existiam parâmetros no
jornalismo convencional. Esse se encontrava voltado à cobertura do dia-adia
por meio de abordagens secas, desprovidas de encantamento narrativo.
Devem ter intuído, por outro lado, que precisavam aliar à arte do bom texto
o rigor de precisão do jornalismo. Também compreenderam implicitamente,
pode-se deduzir, que o espírito da época pedia textos vibrantes, envolventes,
sensoriais. A massa nova de leitores potenciais que comungavam de um novo
quadro cultural, crítico do establishment, acostumava-se ao apelo aos sentidos
trazido pela revolução social em curso; não seria conquistada pelo formato
narrativo tradicional do jornalismo. Assim, Capote constrói A sangue frio como
se fosse uma novela, mas tratando de um evento real e como um relato real.
Mailer, por sua vez, quando lança Os exércitos da noite: os degraus do Pentágono4,
livro que lhe daria um prêmio Pulitzer de não-ficção, o classifica de “história
como romance, romance como história”.
A excelência narrativa pela qual ambos primam, trasladando para a nãoficção
o know-how adquirido na prática da literatura de ficção, também é alcançada
por dois jornalistas que se lançam no caldeirão pulsante da sociedade em
ebulição, sequiosos para voltarem de lá com histórias de qualidade, contadas
com primor para um público igualmente ansioso por vivenciar também simbolicamente,
por meio da arte narrativa, o que acontecia à sua volta. Tom
Wolfe, profissional do diário nova-iorquino Herald Tribune, passa a produzir
matérias e livros que abarcam temas da contracultura – como o cerne da era
hippie focalizado em O teste do ácido do refresco elétrico, edição brasileira da Rocco
–, valendo-se de seu conhecimento da literatura – especialmente do realismo
social – para inovar nos textos jornalísticos. Emprega neste campo técnicas
como a do fluxo de consciência – inspirada no recurso pioneiro de James
Joyce em seu romance Ulisses – e o símbolo do status de vida. Desenvolve a
seu livre prazer o emprego de recursos raramente vistos no jornalismo antes,
como as onomatopeias. Gay Talese, repórter de The New York Times, influenciado
em sua formação pela literatura de John O´Hara e Irwing Shaw – e
não pela regra do lide e da pirâmide invertida dos diários –, vai se soltando
com textos cativantes ali mesmo, depois migrando para a revista Esquire e
para os livros. Notabiliza-se tanto pela eficiência na construção de perfis – de
celebridades e anônimos, igualmente – quanto pela exploração de situações
aparentemente banais – como o cotidiano dos operários construtores de
pontes –, sem deixar de retratar temas tão caros ao norte-americano médio
de seu tempo, como a revolução sexual, foco de seu best seller A mulher do
próximo, edição brasileira da Companhia das Letras.
4 Original de 1968, fora de catálogo no Brasil.
Anuário Unesco/Metodista de Comunicação 152 Regional • 13
Embarcados na corrente do jornalismo literário – da qual não são os
únicos representantes, nem os pioneiros, uma vez que a formatação sólida da
modalidade já se materializava desde a década de 1920, nos Estados Unidos
–, hábeis promotores de sua arte, publicistas afinados com a regra do jogo
na indústria de cultura de massa, Capote, Mailer e Wolfe alardeiam, com razão,
que estão praticando uma literatura da mais alta qualidade. Não se trata,
frisam, de uma literatura como a conhecida até então, a de ficção. Nem se
trata do jornalismo convencional da imprensa noticiosa do dia-a-dia. Estão
trabalhando uma arte narrativa que nada deve à primeira, mas que ultrapassa
os parâmetros costumeiros da segunda. O que fazem, dizem, nada deve à
melhor literatura ficcional.
Rigoroso na apuração de suas matérias, zeloso na estética narrativa,
Talese combate os críticos que alegam não ser jornalismo o que ele faz.
Os textos são tão repletos de detalhes, mas distribuídos de maneira tão
engenhosa, que os céticos não acreditam que seu trabalho seja classicamente
jornalismo. A riqueza de cenas, lugares e pessoas é tão exuberante
que, condenam os críticos, esse Talese só pode ter inventado. Cansado de tanto
tentar convencer seus colegas de que pratica jornalismo, sim, mas numa
oitava superior de qualidade, diz o folclore que um dia o escritor dá um
basta, passando a concordar com seus detratores. Bem, o que faço não é mesmo
jornalismo, dizem que diz Talese, é literatura da realidade! Pronto! Como uma
simples mudança de nome resolve montanhas de problemas! Os críticos estão
satisfeitos
e Talese, livre dos fiscais intelectuais das formas e normas para
continuar produzindo trabalhos maravilhosos, transportadores de elegância
estilística e fidelidade precisa ao real.
A produção dessa literatura de não-ficção de alta qualidade não ficou
restrita, naturalmente, a esses quatro grandes nomes. Diversos outros profissionais
também foram encontrando seus próprios espaços, contribuindo para
a ampliação desse gênero próprio, como advoga Wolfe, no mercado editorial.
Participam informalmente de uma escola do bom texto, honrando a arte até
mesmo depois da fase exuberante do new journalism das décadas de 1960 e
1970. Na década seguinte, Joan Didion ilustra, com esse texto de abertura
de uma matéria sobre a guerra civil salvadorenha, como essa tendência se
consolidara na mídia periódica e em livros-reportagem:
O Aeroporto Internacional de El Salvador, com seus três anos de idade, é envidraçado,
branco e esplêndido, concebido durante a “Transformação Nacional”
de Molina como conveniente menos à capital (San Salvador fica a sessenta
quilômetros de distância, até recentemente um percurso de várias horas), do
que a uma alucinação central dos regimes de Molina e Ribeiro, os projetados
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Anuário Unesco/Metodista de Comunicação Regional, Ano 13 n.13, p. 145-159, jan/dez. 2009
balneários de praia, o Hyatt, o Paraíso do Pacífico, tênis, golfe, esqui aquático,
Costa del Sol; a invenção visionária de uma indústria turística em mais uma
república onde a principal causa natural de morte é a infecção gastrintestinal. Na
ausência geral de turistas, estes hotéis foram desde então desativados, balneáriosfantasmas
nas praias vazias do Pacífico, e aterrissar nesse aeroporto construído
para servi-los é mergulhar diretamente num estado no qual nenhum terreno
é sólido, nenhuma profundidade de campo confiável, nenhuma percepção tão
definida que não possa dissolver-se no seu oposto.
A única lógica é da aquiescência. A imigração é negociada num matagal
de armas automáticas, mas com a autoridade de quem as armas
são brandidas (Exército, ou Guarda Nacional, ou Polícia Nacional, ou
Polícia Alfandegária, ou Polícia do Tesouro, ou qualquer das muitas
outras forças repressoras) é um ponto obscuro. Evita-se o contato dos
olhos. Os documentos são examinados de cabeça para baixo. Uma vez
livre do aeroporto, na nova rodovia que serpeia através de verdejantes
colinas tornadas fosforescentes pela cobertura de nuvens da estação
chuvosa tropical, o que se vê principalmente são gado subalimentado,
cachorros vira-latas e veículos blindados, caminhões, caminhonetas,
Cherokee Chiefs revestidos de aço reforçado e Plexiglass à prova de
bala de uma polegada de espessura5.
Talento multimídia
O caso de Joan Didion, além de ilustrar a questão crescente de o jornalismo
literário reivindicar o reconhecimento de se praticar também literatura
de qualidade, em moldes próprios, diferenciados com relação tanto à literatura
de ficção quanto ao jornalismo convencional, aponta também para uma tendência
de muitos escritores do ofício. Além de jornalista, Didion é também
romancista e roteirista de cinema, tendo recentemente se aventurado no teatro,
com a adaptação bem-sucedida, para a Broadway, de um monólogo calcado
no seu ensaio-pessoal O ano do pensamento mágico, best-seller no Brasil6. Autores
de múltiplos talentos e múltiplas frentes de ação, escritores multimídia, parecem
entender que a essência de seu ofício reside na antiga e perene arte de
contar histórias. A essência é a mesma, quer se conte uma história em forma
de novela, em reportagem, em ensaio ou em narrativa de teatro ou cinema.
Por trás de tudo, há sempre um escritor – e o mesmo –, que direciona sua
criação de acordo com as regras próprias de cada campo.
5 Tradução de Salvador, reedição de 1994 pela Vintage Books. O texto original é de 1983.
6 Nova Fronteira, 2008.
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O fenômeno da multiplicidade aplicada do talento de escrever boas histórias
já estava presente em pioneiros do new journalism como Truman Capote
e Norman Mailer, conforme mencionado antes. Continuou com Tom Wolfe,
que mais tarde se aventuraria também na seara do romance, a partir de seu best
seller A fogueira das vaidades7. Não se trata, porém, de privilégio norte-americano,
essa navegação frutífera de autores por distintos veículos de expressão.
Na América de língua espanhola, Gabriel García Márquez notabiliza-se
não apenas por seu talento, com o Prêmio Nobel de ficcionista, mas também
por sua produção jornalística, no melhor estilo do jornalismo literário.
Relato de um náufrago8 testemunha a maestria narrativa de não-ficção de um
autor jovem, ganhando ainda asas para decolar na década de 1950, mas já
apresentando potencial de condor das alturas. Notícias de um seqüestro9, por sua
vez, trata de sequestros na Colômbia da década de 1990, obra de um autor
maduro, mundialmente consagrado, à vontade tanto no seu labor de ficção
quanto na sua produção de imprensa. Como seus colegas norte-americanos,
o escritor colombiano reivindica para o jornalismo (de texto de qualidade,
supõe-se) uma posição de prestígio no panteão literário:
Creio, enfim, que o jornalismo merece não apenas uma nova gramática, mas
também uma nova pedagogia e uma nova ética do ofício, e que seja visto como
o que é, mesmo sem reconhecimento oficial: um gênero literário maior de idade,
como a poesia, o teatro e tantos outros gêneros10.
Ademais, o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1982 navega
com facilidade por um terceiro canal de expressão narrativa. Comenta com
naturalidade, nessa mesma entrevista, já ter escrito, até então, nove romances,
trinta e oito contos, mais de duas mil notas de imprensa e quem sabe quantas reportagens,
crônicas e roteiros de cinema.
Essa identidade elástica parece habitar sem traumas muitos praticantes
dessa literatura da realidade encastelada no universo jornalístico. Como se
portar diante das demandas estruturantes de uma ou de outra não parece ser
um dilema para eles. Dizem que um dia Gabriel García Márquez responde a
uma pergunta focada nessa questão de um modo cristalinamente simples. Teria
dito algo como diante de um assunto que me desperta a vontade de escrever, examino
com cuidado se renderia melhor como ficção ou como jornalismo; tomada a decisão, sigo
em frente com as armas apropriadas a cada caso.
7 Edição brasileira pela Rocco, 1984.
8 Publicado no Brasil pela Record, s/d.
9 Também editado no Brasil pela Record, s/d.
10 Trecho de entrevista reproduzida em Sala de Prensa, 29, Ano III, v. 2, mar. 2001, sob o título de “Sofismas
de distracción”. Disponível em: . Acesso em: 17 mar. 2010.
Jornalismo e literatura: aproximações, recuos e fusões 155
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No Brasil, o trânsito entre jornalismo e literatura, e vice-versa, também
tem acontecido ao longo do tempo, levado a cabo por profissionais da narrativa
com essa flexibilidade de forma para se expressar ora na ficção ora na
literatura da realidade. O fenômeno não é mais comum apenas pelas barreiras
de autodefesa que cercam a prática do jornalismo, especialmente na sua versão
mais afinada com o modelo linear convencional das fórmulas esquemáticas
de hard news. O território mais apropriado para o direcionamento do talento
narrativo à produção de peças de não-ficção é mesmo o jornalismo literário,
aberto às formas de maior beleza estética. Por isso, casos mais ilustrativos,
no País, tendem a estar associados a iniciativas de algum modo conectadas
com o espírito dessa modalidade. Como na época da agora lendária revista
Realidade, que entre 1966 – seu ano de lançamento – e o início da década de
1970, manteve acesa no Brasil a chama da produção continuada de reportagens
marcadas pelo bom reportar e pelo bom contar.
Parece natural agora compreender, olhando-se para trás, em direção
àquele período vibrante do jornalismo literário – mesmo que não se desse
esse nome na época, o que a revista fazia era a prática dessa modalidade narrativa
–, que seria um desdobramento natural de um processo a publicação
contar, em algum momento, não apenas com jornalistas em sua equipe de
profissionais, mas também com autores de outros ramos da arte narrativa,
convidados a produzir jornalismo com requintes literários. Novamente, a
realidade expressa com o rigor da melhor tradição jornalística associado à
habilidade comunicativa de bons praticantes da tradição de se contar histórias.
Foram os casos de João Antônio, prestigiado contista em certo momento
da cultura brasileira, e do dramaturgo Jorge Andrade. Iniciativas como essa
resultariam em pérolas narrativas, como este trecho de Um dia no cais, matéria
de João Antônio na edição de setembro de 1968, considerada o primeiro
conto-reportagem da imprensa brasileira. Um trecho:
Rita Pavuna e Odete Cadilaque se pegam. Duas das que zanzam batalhando
na noite, conluiadas nos trampos, nas arrumações, para surrupiar fregueses e
levantar a grana, ainda que devam aturá-los. É lei – malandra que é malandra,
no cais, não deve ir com trouxa. Toma-lhe o milho no jeito, debaixo de picardia
e manha. Carne é carne e peixe é peixe.
Mas por umas ou por outras, de ordinário, se enfarruscam num desentendimento.
E as duas acabam se encarando. Como inimigas. Salta um desacato:
− Vai lavar roupa, sua nojenta!
Seis e meia e somem as luzes dos trilhos dos bondes. Últimos músicos cabeludos,
guitarras elétricas a tiracolo, passam em grupo, devagar. Entram no
botequim, se chegam para o balcão. Pedem média, pãozinho, manteiga. E é
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como se não houvesse frege. Briga de mulher pode ir quente, gente do cais
não faz fé.
− Nem vem louca que não tem. Vai cuidar da tua vida! Desguia. Sai da minha
avenida.
Canalhas, cínicas igualmente e ligadas, mancomunadas na catança dos otários.
Mas Rita Pavuna e Odete Cadilaque se apartam num desses tempos quentes.
Uma querendo comer a outra pela perna, pela grana de algum freguês. E se
afastam. Horas, horas. Cada uma para o seu canto e uma não quer nem ver a
cara da outra. Piranha não come piranha.
O binômio jornalismo-literatura como forças associadas para reproduzir
a realidade com intensidade, calor e cor alcança essa exposição pública
destacada nesse período em que nos Estados Unidos o new journalism avança
as fronteiras narrativas da não-ficção para territórios mais ousados, em que
no Brasil, em paralelo, experimentos calcados numa concepção subjacente
de realismo social brotam iniciativas como a de Realidade e do Jornal da
Tarde – também praticante dessa arte nas décadas de 1960 e 1970 –, e em
que na América de língua espanhola a paixão pelo jornalismo de um autor
de fama como Gabriel García Márquez faz acontecer casos exemplares do
alcance possível dessa parceria. Mas de fato, porém, não se inicia ali. O espírito
inquieto de autores tenazes, pioneiros e solitários aparece aqui e ali,
em diferentes épocas, costurando caminhos ousados, novos, experimentais,
alimentando involuntariamente as discussões sobre o alcance e as limitações
de um e de outro.
No Brasil, destaca-se como caso pioneiro de alto relevo a experiência de
Euclides da Cunha com a chamada Guerra de Canudos, no final do século
XIX. Segue para o interior da Bahia em agosto de 1897, como correspondente
do jornal O Estado de S. Paulo. Do sertão árido produz seus despachos que vão
ajudar o leitor da metrópole a descobrir outro Brasil, escondido na história
trágica de Antônio Conselheiro e seus seguidores. O impacto que o conflito
provoca em sua alma o mobiliza intensamente para além da correspondência
de guerra, vindo a produzir Os Sertões, cujo efeito avassalador na cultura
letrada do País é impulsionar a literatura na nova direção do naturalismo,
em contraposição ao romantismo que ainda predominava. Além do impacto
brasileiro, quando é lançado nos Estados Unidos pela Chicago University
Press, com o título de Rebellion in the Backlands, em 1957, provoca esta calorosa
recepção da respeitadíssima crítica literária Elisabeth Hardwick:
Euclides da Cunha seguiu as campanhas (militares) contra Conselheiro como
jornalista e o que trouxe de volta e publicou em 1902 é ainda insuperável na
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literatura latino-americana. Cunha é um talento tremendo, vasto, entrelaçado
com conhecimento, curiosidade e perplexidade como o próprio país.
E mais:
Em cada página há o coração de uma ideia, especulação, observação dramática
que expressa uma missão criativa levada a cabo, a identidade da nação, e
também a criação de um eloquente estilo de prosa11.
Uma amostra do estilo a que Hardwick se refere:
A terra despertava triste. As aves tinham abandonado espavoridas aqueles ares
varridos, havia um mês, de balas. A manhã surgia rutilante e muda. Desvendavase,
a pouco e pouco, a região silenciosa e deserta: cômoros despidos ou chapadas
breves; caatingas decíduas, “pintando”, já em julho, em grandes nódoas
pardo-escuras, a revelarem o alastramento vagaroso da seca. A planície ondeante,
alargando-se no quadrante de NE até ao sopé da Canabrava, indefinida para o
norte, batendo ao sul contra a Favela, empolava-se para o poente em maciços
sucessivamente mais altos, subindo para as grimpas longínquas do Cambaio. O
Vaza-Barris, cortado em gânglios esparsos, percorria-a em dobras divagantes.
Numa destas, depois de correr direito para o ocidente, torce abruptamente ao
sul e volve, transcorridos poucas centenas de metros, para leste, invertendo de
todo o sentido da corrente e formando imperfeita península, tendo no extremo
o arraial. Assim, bastava aos que o defendessem o estenderem-se ligando
os dois galhos paralelos e próximos do rio, segundo a corda daquele círculo
extensíssimo de circunvalação, para cortarem toda a frente do ataque. Porque a
direção deste a interferia normalmente, como a flecha do enorme semicírculo:
depois de transposta a baixada aquém de Trabubu, os assaltantes atravessariam
a pés enxutos o Vaza-Barris e, volvendo mais uma vez, a última, à esquerda,
carregariam de frente12.
11 Elizabeth Hardwick, Bartleby in Manhattan and Other Essays (New York: Random House, 1983), p.
251. Citada por Edvaldo Pereira Lima em seu texto One Hundred and Twelve Years of Nonfiction
Solitude: A Survey of Brazilian Literary Journalism, capítulo de International Literary Journalism, livro
da International Association for Literary Journalism Studies, edição de John Bak, University of Massachusetts
Press. No prelo.
12 Excerto disponível em: htm?UserActiveTemplate=euclidesdacunha&from%5Fday=&from%5Fmonth=&from%5Fyear=&inf
oid=233&query=advsearch&search%5Fby%5Fauthorname=all&search%5Fby%5Ffield=tax&search%
5Fby%5Fheadline=false&search%5Fby%5Fkeywords=any&search%5Fby%5Fpriority=all&search%5
Fby%5Fsection=2%2C43%2C44%2C45%2C83%2C46%2C84%2C47%2C48%2C82%2C86%2C87%2
C50%2C51%2C58%2C63%2C64%2C65%2C66%2C52%2C53%2C54%2C55%2C56%2C57%2C85%2
C120%2C67%2C68%2C69%2C70%2C123%2C71%2C72%2C73%2C74%2C75%2C101%2C102&sea
rch%5Fby%5Fstate=all&search%5Ftext%5Foptions=all&sid=85&submit=Consultar&text=Trecho+
de+Os+Sert%F5es&to%5Fday=&to%5Fmonth=&to%5Fyear=>. Acesso em: 18 mar. 2010.
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A arte de se contar histórias com primor literário, procurando-se retratar
paisagens humanas e sociais com vigor, continua presente em ilhas de excelência
narrativa, fiéis ao compromisso com a realidade. Em nosso tempo de
multimídia, essa arte amolda-se, flexível, ao periódico e ao livro-reportagem,
como neste trecho de A casa de velhos, de Eliane Brum, matéria publicada na
revista Época e depois reproduzida em seu livro-reportagem O olho da rua:
De repente, eles chegaram lá, diante do portão de ferro da casa de velhos. A
vida inteira espremida numa mala de mão. Deixaram para trás a longa teia de
delicadezas, as décadas todas de embate entre anseio e possibilidade. A família,
os móveis, a vizinhança, as ranhuras das paredes, um copo na pia, o desenho
do corpo no colchão. Reduzidos a um único tempo verbal, o pretérito, com
suspeito presente e um futuro que ninguém quer13.
Qual será o futuro da arte narr ativa da vida
real?
Suspeito que continuará pulsando no coração perene do anseio humano
e social por ler, ouvir, receber e produzir histórias. Dentro ou fora
do jornalismo, caso esse não se renove e não introduza nas redações de
maneira consistente a prática de propostas como o jornalismo literário. Pois
a demanda existe. E as respostas, adaptadas aos novos meios, sinalizam caminhos
espontâneos ou não sendo trilhados por novos autores em buscas
adaptáveis como os blogs e outros formatos eletrônicos. Cabe aos profissionais
agirem proativamente e pautarem agora os temas de um novo tempo.
Este de hoje e do futuro imediato, dramático, decisivo, em que revisamos
as bases da nossa civilização e procuramos, como espécie, novos caminhos
para a sociedade. Precisamos saltar da base cartesiana que ainda governa
os paradigmas fundantes da nossa civilização para outra, mais integrada e
sistêmica. A tecnologia narrativa está aí, comprovada. O que precisamos é
absorver uma nova visão de mundo, mais condizente com os desafios deste
século XXI, sairmos do pensamento linear e raso que sustentou o jornalismo
convencional para o complexo, que já manifesta sua presença crescente na
indústria cultural, em outras esferas. Como no cinema de James Cameron
em Avatar, por exemplo.
Se nós, autores, pesquisadores e professores de jornalismo não cruzarmos
essa fronteira da separabilidade rígida, encontrando novos modos
de diálogo entre o jornalismo e a literatura, outros farão em nosso lugar.
E teremos perdido o momento histórico da grande transformação. O que
13 São Paulo: Globo, 2008. p. 85.
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será uma grande pena. Mas a vida narrativa continuará e encontrará outros
parceiros, se necessário, na contínua missão de contar histórias que estejam
sintonizadas, se possível, com a edificação de novos valores de compreensão
e ação no mundo14.
Referências bibliográficas
BRUM, Eliane. O olho da rua: uma repórter em busca da literatura da vida real. São Paulo: Globo, 2008.
LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da
literatura. 4. ed. ampl. São Paulo/Barueri: Manole, 2009.
LIMA, Edvaldo Pereira. One Hundred and Twelve Years of Nonfiction Solitude: A Survey of Brazilian
Literary Journalism. In: BAK, John. International Literary Journalism. s/l: Association for Literary
Journalism Studies e University of Massachusetts Press. No prelo.
14 Para uma abordagem mais extensiva desse conjunto de temas abordados no artigo, recomendo a quarta
e ampliada edição de meu livro Páginas Ampliadas: O livro-reportagem como extensão do jornalismo
e da literatura, de 2009, publicado pela Manole. Também é útil conhecer o trabalho da Academia
Brasileira de Jornalismo Literário – ABJL –, através de seu portal www.abjl.org.br e da sua revista
eletrônica – www.textovivo.com.br –, TextoVivo – Narrativas da Vida Real.

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